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Um cemitério encantado por Orfeu
É sexta feira à noite. No meio do trânsito habitual da avenida Dr. Arnaldo, o pensamento se perde no colorido das flores das bancas do Cemitério do Araçá. O fato de haver um cemitério gigante ali atrás passa despercebido. E mais ainda o singelo Cemitério do Redentor, logo do outro lado da rua. É um cemitério protestante e uma pequena joia do setor funerário de São Paulo. A Companhia Coexistir de Teatro ocupa o local à noite, para as apresentações da peça: “A Jornada de Orfeu”.
O espetáculo inicia na porta de entrada e percorre todo o espaço do cemitério, que conta com um paisagismo bem sucedido, criando um ambiente lúdico. Cada túmulo recebe uma combinação de plantas diferentes, emoldurando lápides que vão de rochas primitivas a granito. As árvores, antigas e ornamentadas por plantas, contribuem para uma espécie de encanto. Caminha-se pela passarela e o pensamento voa entre os detalhes de cada túmulo e as falas dos personagens. Orfeu convence Caronte – o barqueiro do rio Estige que separa os mundos – a levá-lo até o Hades, mundo dos mortos, para resgatar sua amada, Eurídice, morta por uma picada de serpente. Com sua música (ele toca um instrumento usado na Antiguidade chamado lira) ganha uma segunda chance e o direito de levar Eurídice embora, mas não consegue cumprir a única condição imposta por Hades, o senhor do reino: não olhar para sua amada até atingir a superfície. E assim, Orfeu a perde para sempre.
Lembro das palavras da dramaturga Consuelo de Castro, me contando que uma interpretação desse mito é a indicação da arte ser capaz de vencer a morte. Pois Orfeu consegue entrar no reino de Hades com sua melodia que sensibiliza tanto Caronte quanto Cérbero, o cão de três cabeças que guarda o reino. E é sua música que convence Hades e Perséfone, esposa de Hades, a deixá-lo levar Eurídice dali. Mas a impaciência da paixão faz Orfeu perder sua amada de novo e para sempre, indicando também que ele não foi capaz de voltar à vida sem olhar para trás.
O espetáculo é bem atuado e dirigido, com uma iluminação desenhada para cada cena nos diversos cantos do cemitério, enquanto Caronte conduz o público de vinte pessoas pelas ruelas. Num momento ou outro, vejo uma barata passando e é o que me faz lembrar da existência de corpos se decompondo embaixo desse cenário mágico. O pensamento não é agradável e questiono se toda aquela encenação e gritos poderiam de alguma forma “incomodar os mortos”. Mas o som nada reconfortante da Dr. Arnaldo concorre bem com o da trupe teatral e vejo que estou mais uma vez atribuindo características vivas aos mortos, achando que eles se incomodariam com o barulho como fazem os vivos sofrendo de insônia. Não, eles não estão dormindo, não estão com insônia e, se existe alma e espírito (todo respeito e admiração por quem não tem dúvida nenhuma disso), não acredito que estariam enfurnados num cubículo de espaço podendo ter a oportunidade de voar.
A diretora e dramaturga da peça, Patrícia Teixeira, é psicóloga junguiana, com formação também em artes cênicas. Estuda a morte há quatro anos para sua tese de doutorado em psicologia clínica na PUC, sobre psicopedagogia teatral. Nela, tem um capítulo intitulado “processos criativos e morte”, onde pesquisa três entidades míticas relacionadas à morte, de culturas diferentes: Hades da Grécia, os Orixás da África (Omulu e Obaluaê) e Kali da Índia, cada um resultando num espetáculo teatral de sua direção. O primeiro foi “A Jornada de Orfeu” (até o mundo dos mortos – Hades). Com essa trilogia, Patrícia pretende levar o público em contato com o desconhecido, o que ela chama de “um outro eu, que também é morte, e podermos encontrar nesse eu, aspectos criativos”.
Ela acredita que dialogar com a morte faz parte de uma dinâmica arquetípica e “quanto mais nos confrontamos com a presença da morte, e tudo que ela representa, a finitude e limitações, mais podemos ter uma visão criativa e consciente de nossa vida”.
No programa da peça, coloca um pensamento de Jung: “o terror e a resistência que todo ser humano naturalmente experimenta quando mergulha muito profundamente em si mesmo é, no fundo, o medo da viagem ao Hades”. A proposta teatral de Patrícia é baseada numa leitura de Jung, em torno de arquétipos, que diz ser as estruturas que fundamentam nossa psique.
Patrícia também trabalha numa penitenciária feminina, há oito anos, fazendo um trabalho chamado “teatro intra-muros”, no qual monta espetáculos com as presas utilizando mitos. Patrícia faz um paralelo entre o ambiente da prisão e o Hades (enquanto símbolo), por ser também um espaço relacionado a morte, “morte da identidade”, ela diz, “dentro da cadeia você é um número e a liberdade artística se torna um mecanismo para não se enlouquecer”. Trabalhar com teatro é poder devolver a identidade e a vida.
A primeira dificuldade que teve ao montar um espetáculo dentro de um cemitério foi o preconceito em relação a espaços destinados ao morrer. Ela diz que, culturalmente, temos esses espaços como intocáveis, e assim sua atividade foi vista muitas vezes como profana. Também sente dificuldade em conseguir patrocínio porque as empresas se interessam pela ideia, mas não querem sua marca associada à morte ou ao cemitério, “na nossa cultura o cemitério é uma ideia negativa”, ela diz.
Pelo visto temos uma curiosidade natural em relação a esses espaços. Um leitor do blog, José Olympio Meyer, me escreveu perguntando se as pessoas usam o cemitério como área de lazer e recreação e quais seriam esses lazeres. “O cemitério é um espaço onde várias relações acontecem. Um espaço diferente, interessante, e acredito eu, pouco explorado pela literatura de jornais”, ele escreveu.
Patrícia provavelmente concordaria com esse leitor, afirmando uma de suas frases prediletas: “busco uma ressignificação da morte, e dos espaços destinados a ela, para assim renovar a vida”.
Fonte: Folha de S.Paulo
** Ajude com a manutenção do espetáculo – encenado em um cemitério!
A Cia. Coexistir de Teatro e gostaria muito de poder contar com a sua colaboração para realizarmos mais uma temporada do espetáculo A Jornada de Orfeu.
O espetáculo é o resultado de uma pesquisa a partir da mitologia grega e da morte, na qual reunimos em torno do mito de Orfeu diversos questionamentos existenciais.
Na mitologia grega, os mortos vão para o mundo do Hades, um mundo inacessível, que Orfeu conseguiu adentrar com o intuito de que sua amada, Eurídice, morta pelo veneno de uma víbora, pudesse com ele retornar à luz. Você pode contribuir com o trabalho ao escolher uma das opções de financiamento como no Catarse ou também compartilhando nosso link com seus amigos. Assim a Cia. Coexistir aumenta suas chances de bater a meta e realizar a temporada do espetáculo conforme o planejado! Lembrando que para cada opção de financiamento existe uma recompensa 😉
Vergonha Vergonhosa
O brasileiro tem vergonha de parecer ufanista, na base do por‑que‑me‑orgulho‑do‑meu‑país. Talvez por isso o brasileiro não tenha colocado na cabeça, até hoje, que o Brasil tem realmente os campos de petróleo mais fantásticos do mundo. Parece vergonhoso falar nisso. Na plataforma submarina, no fundo do mar, há jazidas descobertas pela Petrobras em fase de exploração e que têm poços capazes de produzir 10 mil barris por dia. Cada poço. É um número fantástico, sim, é um recorde mundial, sim, e que somente encontra concorrentes, com poços capazes de produzir 7 mil, 8 mil barris por dia, no Irã, no Kuwait, no Iraque… O que significam 10 mil barris por dia? A 20 dólares o barril, isso significa o faturamento de 200 mil dólares em um único poço. Em um dia. Ou 6 milhões de dólares por mês. Ou 70 milhões de dólares por ano. Por poço. Uma das jazidas da Petrobras na bacia de Campos, estado do Rio, tem 25 poços funcionando, o que significa que eles, multiplicados pelos 70 milhões de dólares faturados em cada poço, rendem 1,75 bilhão (bilhão, com a letra bê, por ano). Ou, para arredondar, 2 bilhões de dólares por ano. Ou, ainda, o equivalente a 4 bilhões de reais por ano.
Respire fundo agora: são esses campos de petróleo absolutamente fantásticos, os mais produtivos do mundo, que o governo FHC já começou a doar às multinacionais, com a ajuda da imprensa. No primeiro leilão, realizado há poucas semanas, o presidente da Agência Nacional de Petróleo do governo FHC, David Zylbersztajn, teve a bárbara coragem (ou outro nome qualquer) de pedir um “preço simbólico” de 50 mil a 150 mil (é “mil”, com a letra eme, mesmo) reais às “compradoras” dessas áreas.
O governo usou uma desculpa para tentar justificar esses preços sórdidos: o mercado mundial estaria em baixa, com superoferta de petróleo. Acontece que desde janeiro os preços do petróleo duplicaram— d‑u‑p‑l‑i‑c‑a‑r‑a‑m— de 10 dólares para 20 dólares o barril, fenômeno que merecia manchetes e que sequer foi noticiado ao longo de meses pela grande imprensa (faça você mesmo um teste com seus amigos e sua família: verifique quantos ficaram sabendo dessa duplicação).
A verdade foi escondida para que a sociedade não discutisse os preços pedidos pelo governo — ou, o que seria mais importante ainda, discutisse a própria política de privatização do petróleo nacional. Mais claramente: se as jazidas são as mais fantásticas do mundo, se os lucros que elas vão proporcionar são fabulosos, por que o governo FHC não vende ações da Petrobras a milhões de brasileiros, juntando dinheiro para acelerar as explorações e gerar dólares com a exportação de petróleo? Qual é o problema? Clinton e o FMI não deixam?
Ah, sim: no primeiro leilão, algumas jazidas foram compradas por 150 milhões de reais, isto é, mil vezes o preço de 150 mil reais pedido pelo governo. A imprensa apresentou esse resultado como algo fantástico. Não é. Continua a ser ninharia. Esmola para povo índio. Basta ver que esses campos petrolíferos podem faturar 2 bilhões de dólares, ou 4 bilhões de reais, por ano. Em um ano. Contra 150 milhões de reais. Uma única vez.
As oposições precisam mobilizar a sociedade brasileira contra o novo assalto ao petróleo nacional programado pelo governo FHC, por Clinton, pelo FMI. Os números, escandalosamente denunciadores, estão aí.
PS — O presidente FHC diz que a economia está estável, o IBGE diz que o PIB está estável… A indústria paulista já havia recuado 7% no semestre e desabou 15% em julho na comparação com 1998. Setores com maior queda? Telecomunicações e equipamentos para energia elétrica. Isto é, as multinacionais “compradoras” das antigas estatais continuam a importar tudo. Desempregam, aqui dentro. E continuam a torrar dólares, afundando ainda mais o Brasil. A desnacionalização levou o Brasil de volta ao passado. Voltou a ser uma republiqueta dependente. Ou colônia?
Fonte: Livro O Brasil Privatizado
Semana da Mulher
As obras da Geração são marcadas pela presença de mulheres que marcaram a história da humanidade. E aproveitamos o ‘dia internacional da mulher’ para homenagear todas as mulheres e a constante luta por dignidade e igualdade social.
Diversas mulheres, anônimas ou personalidades, foram capazes de reverter o estereótipo “sexo frágil’ e se tornaram peças fundamentais para escrever a história. Conheça um pouco do muito que as mulheres da Geração Editorial tem para mostrar:
A Costureira Domitila Elizabeth I A Escolha de Sofia
Kate Alcott Paulo Rezzutti Margaret George William Styron
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Quimioterapia&Beleza Vagina Hilda Furacão Mulheres sobre Rodas
Flávia Flores Naomi Wolf Roberto Drummond Beatriz S. & Alexandra G
Págs: 200 Págs: 376 Págs: 296 Págs: 120
Peso: 406g Peso: 537g Peso: 490g Peso: 500g
Preço: R$ 29,90 Preço: R$ 49,90 Preço: R$34,00 Preço: R$ 34,00