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Leminski-se
Filho de pai polonês e mãe negra, faixa preta de judô, escritor, tradutor, letrista, poeta e biógrafo de Bashô – o poeta mais famoso do período Edo (1603 a 1868) do Japão -, Trótski e Jesus Cristo. É difícil definir Paulo Leminski (Curitiba, 1944-1989). “Ele lutou para não ser atrelado a nenhum movimento e extrair o melhor de cada um”, diz Estrela Ruiz Leminski, poeta, cantora e filha do escritor com a também poeta Alice Ruiz. Não é fácil aproximar Leminski de algum movimento literário ou de uma categoria apenas.
Passear atento pelas ruas pode ser um jeito de conhecer Leminski.Muros de São Paulo, Curitiba e outras cidades grandes carregam sua poesia, contrastando o duro concreto com a beleza do seu jogo de palavras. “Haja hoje para tanto ontem”, chega a ser um clássico das paredes grafitadas com as suas frases.
Para ir além dos muros, a Caixa Cultural de São Paulo (Praça da Sé, 111, centro) recebe, entre os dias 7 de março e 3 de maio a exposiçãoMúltiplo Leminski, com entrada gratuita. Com textos, livros, poemas, cadernos e até parte do mobiliário do escritor, as obras expostas tiveram curadoria de Alice Ruiz e as filhas Estrela e Aurea Leminski. São Paulo é a sexta cidade a receber a mostra. “Por ser um lugar onde ele viveu, quisemos trazer à tona essa ligação dele com a cidade, com a poesia concreta que, para ele, era muito importante”, diz Estrela.
Ainda vão me matar numa rua.
Quando descobrirem,
principalmente,
que faço parte dessa gente
que pensa que a rua
é a parte principal da cidade
Além do mobiliário inédito nas outras exposições, o público poderá ter acesso a cadernos com poemas nunca antes publicados. Estrela explica que durante o processo de curadoria, muita coisa foi descoberta e redescoberta por ela, como um caderno com textos que Leminski escreveu para Augusto e Haroldo de Campos. “Às vezes a gente descobre coisas que não sabíamos que existiam, às vezes redescobrimos coisas que já tínhamos visto, mas olhamos de um jeito diferente”, diz ela. “Muitas vezes parecia que ele próprio estava lá, ajudando na escolha do material”.
Nascido em Curitiba, Leminski foi viver em São Paulo para estudar no Mosteiro de São Bento, aos 14 anos, em 1958. Na cidade, passou a ser amigo de poetas concretos, como Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari, que tiveram grande influência nas obras de Leminski. Sua relação com a cidade teve idas e vindas. “Moramos aqui em São Paulo algumas vezes. A Alice Ruiz mora aqui até hoje”, diz Estela.
Dono de uma linguagem até hoje moderna, Leminski é para muita gente a porta de entrada para o universo da poesia. Seus escritos são palatáveis e próximos da realidade. “Até hoje ele faz com que os jovens comecem a gostar de poesia”, diz Estrela. “Ele tem um estilo que dialoga com Ferrez [escritor brasileiro, ligado à chamada literatura marginal], mas tem uma prosa experimental que fala com James Joyce [autor traduzido por Leminski]”, diz. “E tem canções que lembram Moraes Moreira”.
As palavras de Leminski viraram canções na boca de Zélia Duncan,Caetano Veloso, Moraes Moreira, Ney Matogrosso, Itamar Assumpção, Arnaldo Antunes e recentemente de Estrela Leminski, que musicou alguns poemas do pai. Falava inglês, francês, latim, grego, japonês e espanhol, escrevia haikais, contos e romances. Reflexo da sua intensa urbanidade, tinha uma relação com ilustrações e grafite, que será traduzida em obras do artista Paulo Ito na exposição.
Sua obra foi tão vasta e diversificada, que é difícil crer que tenha vivido apenas 44 anos. Foi do trocadilho à mistura com outras línguas e à doçura de palavras apaixonadas. Às vezes pintava um tom melancólico. Mas, como diz um dos seus poemas mais famosos, “um homem com uma dor é muito mais elegante”.
Fonte: El País Brasil
Grato por me assaltares
Que tal você comprar uma rede de lanchonetes ou uma rede de postos de gasolina para pagar em dez anos, a preço de banana — que o antigo dono resolveu vender porque estava, segundo as más línguas, precisando de dinheiro? E depois, daí a dois ou três anos, o vendedor, tão bonzinho, tão bonzinho, sem ter recebido ainda as prestações de oito ou sete anos, oferecer dinheiro emprestado, muito dinheiro, a juros baixíssimos, de pai para filho, para você comprar concorrentes e ficar sozinho no mercado? Absurdo? Afinal, o vendedor não estava quebrado? Não ria. Chore. É isso que está acontecendo no Brasil, com a venda de empresas estatais a grupos privilegiados.
Nos leilões de privatização, o próprio governo, por meio do banco dos grampos, o BNDES, vendeu “moedas podres” (títulos antigos do governo) aos “compradores”, para eles entregarem de volta ao Tesouro, como “pagamento” pelas estatais, com um “detalhe”: as moedas podres podiam ser pagas em dez anos, a juros baixíssimos.
Um negócio da China, ou um assalto ao patrimônio do povo brasileiro, com empresários e banqueiros recebendo, de graça, empresas que valiam bilhões de reais. Mas as negociatas não param e não pararam por aí até hoje. O mesmo BNDES, isto é, o governo, a quem os “compradores” ficaram devendo rios de dinheiro, acaba emprestando, aos mesmos devedores, outros rios de dinheiro, para eles investirem, ampliarem os negócios.
Quer dizer: o governo diz que o Tesouro está quebrado, usa essa desculpa para doar as estatais e depois arruma dinheiro para os “compradores”. Ou seja, é a mesma coisa que você, depois de comprar as lanchonetes e os postos de gasolina, ainda receber a visita do vendedor que, tão otário, tão otário, vem oferecer novo empréstimo para ampliar os negócios…
Mas as negociatas não param por aí. Passados uns dois ou três anos, isto é, apesar de haver prestações de mais sete ou oito anos a serem pagas, o governo, por meio do mesmo BNDES, oferece outros rios de dinheiro para os grupos que viraram “donos” das estatais. Para quê? Agora, para eles comprarem empresas menores, ou formarem cartéis em alguns setores. Para não parecer escandaloso demais, o BNDES inventa um monte de desculpas: diz que é preciso “reorganizar”, por exemplo, os setores de petroquímica, papel, celulose, siderurgia, para criar empresas de grande porte “exigidas” pela globalização.
É a negociata da negociata da negociata, com os mesmos grupos de sempre, os donos do país, recebendo estatais de graça, recebendo empréstimos para ampliá‑las, recebendo empréstimos para virar cartéis, sempre devendo rios de dinheiro e beneficiados gostosamente com juros muito mais baixos do que os pagos pelos milhões de empresários “comuns”, com a diferença paga pelo Tesouro, isto é, por toda a sociedade.
A opinião pública e o Congresso continuam passivos diante dessas aberrações. Só falta dizerem ao governo FHC: “Obrigado por me assaltares”.
Fonte: Livro O Brasil Privatizado