Vergonha Vergonhosa
O brasileiro tem vergonha de parecer ufanista, na base do por‑que‑me‑orgulho‑do‑meu‑país. Talvez por isso o brasileiro não tenha colocado na cabeça, até hoje, que o Brasil tem realmente os campos de petróleo mais fantásticos do mundo. Parece vergonhoso falar nisso. Na plataforma submarina, no fundo do mar, há jazidas descobertas pela Petrobras em fase de exploração e que têm poços capazes de produzir 10 mil barris por dia. Cada poço. É um número fantástico, sim, é um recorde mundial, sim, e que somente encontra concorrentes, com poços capazes de produzir 7 mil, 8 mil barris por dia, no Irã, no Kuwait, no Iraque… O que significam 10 mil barris por dia? A 20 dólares o barril, isso significa o faturamento de 200 mil dólares em um único poço. Em um dia. Ou 6 milhões de dólares por mês. Ou 70 milhões de dólares por ano. Por poço. Uma das jazidas da Petrobras na bacia de Campos, estado do Rio, tem 25 poços funcionando, o que significa que eles, multiplicados pelos 70 milhões de dólares faturados em cada poço, rendem 1,75 bilhão (bilhão, com a letra bê, por ano). Ou, para arredondar, 2 bilhões de dólares por ano. Ou, ainda, o equivalente a 4 bilhões de reais por ano.
Respire fundo agora: são esses campos de petróleo absolutamente fantásticos, os mais produtivos do mundo, que o governo FHC já começou a doar às multinacionais, com a ajuda da imprensa. No primeiro leilão, realizado há poucas semanas, o presidente da Agência Nacional de Petróleo do governo FHC, David Zylbersztajn, teve a bárbara coragem (ou outro nome qualquer) de pedir um “preço simbólico” de 50 mil a 150 mil (é “mil”, com a letra eme, mesmo) reais às “compradoras” dessas áreas.
O governo usou uma desculpa para tentar justificar esses preços sórdidos: o mercado mundial estaria em baixa, com superoferta de petróleo. Acontece que desde janeiro os preços do petróleo duplicaram— d‑u‑p‑l‑i‑c‑a‑r‑a‑m— de 10 dólares para 20 dólares o barril, fenômeno que merecia manchetes e que sequer foi noticiado ao longo de meses pela grande imprensa (faça você mesmo um teste com seus amigos e sua família: verifique quantos ficaram sabendo dessa duplicação).
A verdade foi escondida para que a sociedade não discutisse os preços pedidos pelo governo — ou, o que seria mais importante ainda, discutisse a própria política de privatização do petróleo nacional. Mais claramente: se as jazidas são as mais fantásticas do mundo, se os lucros que elas vão proporcionar são fabulosos, por que o governo FHC não vende ações da Petrobras a milhões de brasileiros, juntando dinheiro para acelerar as explorações e gerar dólares com a exportação de petróleo? Qual é o problema? Clinton e o FMI não deixam?
Ah, sim: no primeiro leilão, algumas jazidas foram compradas por 150 milhões de reais, isto é, mil vezes o preço de 150 mil reais pedido pelo governo. A imprensa apresentou esse resultado como algo fantástico. Não é. Continua a ser ninharia. Esmola para povo índio. Basta ver que esses campos petrolíferos podem faturar 2 bilhões de dólares, ou 4 bilhões de reais, por ano. Em um ano. Contra 150 milhões de reais. Uma única vez.
As oposições precisam mobilizar a sociedade brasileira contra o novo assalto ao petróleo nacional programado pelo governo FHC, por Clinton, pelo FMI. Os números, escandalosamente denunciadores, estão aí.
PS — O presidente FHC diz que a economia está estável, o IBGE diz que o PIB está estável… A indústria paulista já havia recuado 7% no semestre e desabou 15% em julho na comparação com 1998. Setores com maior queda? Telecomunicações e equipamentos para energia elétrica. Isto é, as multinacionais “compradoras” das antigas estatais continuam a importar tudo. Desempregam, aqui dentro. E continuam a torrar dólares, afundando ainda mais o Brasil. A desnacionalização levou o Brasil de volta ao passado. Voltou a ser uma republiqueta dependente. Ou colônia?
Fonte: Livro O Brasil Privatizado