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D. Pedro II, o filho do Demonão
Mas a corte que Pedro II e suas irmãs, D. Francisca, D. Paula e D. Januária, herdavam era uma corte pobre, segundo testemunho de um de seus primos europeus que os visitaram: “A mais miserável do universo”. A política de austeridade quase franciscana implementada na corte na época das Regências a esvaziou. Essa austeridade também foi a grande marca da criação do futuro imperador. Seus tutores cuidariam para que sua educação fosse esmerada, que d. Pedro II, diferente do pai, fosse uma pessoa regrada, controlada e ilustrada.
Até 1834, quando D. Pedro I morreu tuberculoso em Portugal – na mesma sala do Palácio de Queluz em que nascera em 12 de outubro de 1798 -, várias alas da política brasileira tinham verdadeiro pavor de que o ex-imperador retornasse ao Brasil e assumisse a regência do filho. Logo, uma campanha de desmoralização pública teve início assim que o navio que o levava ao exílio deixou de ser visto no horizonte.
As críticas ao ex-monarca tornaram-se públicas, afinal, a constituição que protegia a figura do imperador não dizia nada a respeito de ex-imperantes. Assim, expressões sutis e satíricas que apareceram nos jornais ao longo do Primeiro Reinado, como “o nosso caro Imperador”, em que caro não era para ser lido como caríssimo ou querido, e sim como excessivamente dispendioso, foram trocadas na época das Regências para “assassino da esposa”, “amante dissoluto”, “devasso corrupto”, entre outras.
A nódoa moral de seu reinado, seu caso de sete anos com a Marquesa de Santos, foi relembrada às escâncaras nessas folhas, e logo a sua ex-amante, a paulista Domitila de Castro do Canto e Melo, foi elevada a símbolo máximo da corrupção e devassidão do Primeiro Reinado nos jornais da época, sobretudo no periódico Sete de Abril. Não foi por mero acaso que, em 1833, Domitila acabou se amancebando com o “reizinho de São Paulo”, o rico e influente político Tobias de Aguiar, primeiro paulista a ser presidente da Província de São Paulo e amigo íntimo, de infância, do regente do Império, o padre Diogo Antônio Feijó. Domitila sempre foi uma sobrevivente.
E, para que o Império e o futuro imperador D. Pedro II também pudessem sobreviver, a educação moral dele foi rígida. Desde o princípio ele sabia o quanto o romance escancarado de seu pai com a fogosa paulista jogara lenha na fogueira moral ateada pelos inimigos de D. Pedro I e, assim, a discrição amorosa do nosso segundo imperador se fez. Não que ele não tenha tido seus tórridos casos de amor. O mais famoso caso de D. Pedro II foi com a condessa de Barral, Maria Margarida de Barros Portugal, rica dona de engenho, casada com um nobre francês, que foi preceptora das princesas imperiais, Leopoldina e Isabel. Esse foi o mais longo e duradouro, cerca de 34 anos de ânsias e suspiros apaixonados, em que d. Pedro II lembrava com carinho das “noites atenienses” ou de quartinhos de hotéis em Petrópolis. Mas essa paixão era mais intelectual. Nada, ao menos da correspondência amorosa que sobreviveu entre ele e a condessa, lembra o fulgor do pai, que tratava com paixão a Marquesa de Santos ora com versinhos mal construídos, ora com palavras das mais vulgares, chegando a enviar pelos pubianos à amante e sentir saudades de “ir aos cofres” dela.
Existe na historiografia brasileira a lenda de que o historiador Tobias Monteiro teria encontrado cartas picantes envolvendo D. Pedro II que estavam depositadas na Biblioteca Nacional. Um arranjo na numeração e pronto, elas ficaram desaparecidas por muito tempo no arquivo, afinal, não pegava bem para a imagem do ex-imperador ter sua vida amorosa exposta de maneira indecorosa, como aconteceu com seu pai. Quem conhece um pouco sobre organização de bibliotecas e arquivos sabe muito bem que uma pasta, caixa ou livro posto em outro lugar que não o seu é uma atrocidade, pois se perde a localização da peça no acervo e as formas de se desarquivar a informação. Pois bem, vira e mexe esse acervo de cartas de D. Pedro II é “redescoberto”, recentemente foi até mesmo fichado novamente. Assim, o acervo mostra um imperador menos morno que suas sábias barbas brancas nos retratos fazem supor. Ele também teve seu lado “Demonão”, como o pai, que assinava assim as missivas à marquesa de Santos no auge da paixão.
Se as cartas da Barral para D. Pedro II são mornas, na maioria das vezes, o mesmo não aconteceu com o fogo que ele causou na baronesa da Boa Vista que suspira nas missivas lembrando que “cada uma de tuas expressões tão apaixonadas me fazem estremecer de amor” e declarações do tipo: “Eu te amo e sou tua de toda a minha alma. Eu te abraço tão ardentemente como tu desejas”. E, a pedido do imperador, lhe envia uma foto com vestido decotado. Aliás, hábito esse que parece ser uma constante no quase sexagenário amante, que também pede para a condessa de Villeneuve uma foto, sobre a qual se debruça a escrever-lhe, confessando que, diante da imagem, fantasiou uma forte cena erótica em que os dois corpos se entrelaçavam no sofá da casa dela, desfalecendo-se de prazeres.
Uma testemunha da época do Segundo Reinado, o diplomata espanhol Juan Valera, confidenciava a um amigo seu na Espanha que “a imperatriz do Brasil (D. Teresa Cristina) é tão virtuosa quanto feia e D. Pedro II lhe é infiel de vez em quando. O teatro de suas infidelidades é a biblioteca do palácio; o que acontece é que as damas se instruem…”. Outra característica que d. Pedro II herdou do pai foi a sovinice: se esbanjava com esmolas e bolsas de estudo, era miserável com as amantes. Valera chega a comentar que não foram poucos os homens que acabaram falindo para manter as esposas frequentadoras assíduas da corte e da “biblioteca” do imperador.
Pois é, Luiz Felipe Pondé, para alguém que hoje seria considerado de “direita”, o velho Pedro II tinha lá a sua lábia e esbanjava cultura até para pegar mulher. E a direita de hoje nada?
Monarquistas, republicanos, velhos, novos, ricos, pobres, todos fazem e fizeram sexo. Nossos avós, bisavós, tataravós eram bem menos castos que suas expressões sisudas nos retratos nos fazem supor. E assim é a vida, cheia de idiossincrasias, paixões, sexo e todos os elementos necessários para construir, sem que essa construção na realidade seja linear e cerebral o tempo todo. Afinal, todos precisamos de uma pequena dose de loucura e aventura em algum momento para que não sucumbamos como uma massa coesa, uniforme e submissa ao destino final que nos aguarda a todos. E a moral? Deixemo-na para os moralistas, não para os historiadores.
Paulo Rezzutti é historiador e escritor. Membro titular do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, colaborador da revista Aventuras da História da Ed. Abril e de diversos blogs sobre história. Em 2010 descobriu 94 cartas inéditas de D. Pedro I à sua amante, a Marquesa de Santos. Em 2012 participou, como consultor, do trabalho de exumação dos primeiros imperadores brasileiros sepultados na cripta do Monumento à Independência, em São Paulo.
O D. Pedro II e seu pai: a figura austera escondia uma vida amorosa movimentada.
Fonte: História Hoje
Os limites da China on-line
Quando o romancista Murong Xuecun apareceu em uma cerimônia no ano passado para receber seu primeiro prêmio literário, ele segurava uma folha de papel com algumas das palavras mais incendiárias que já escrevera.
Era uma meditação sobre o mal estar causado pela censura. “A escrita chinesa exibe sintomas de um distúrbio mental”, pretendia dizer ele. “Este é um escrito castrado. Sou um eunuco proativo, me castro antes mesmo de o cirurgião erguer o bisturi.”
Os organizadores da cerimônia o proibiram de proferir o discurso. Sobre o palco, Murong fez um gesto de quem fecha a boca com zíper, e saiu sem dizer palavra.
Ele então fez com o discurso o que havia feito com três dos seus romances de sucesso, todos eles submetidos a uma rigorosa censura: colocou na internet o texto sem cortes. Os fãs foram atrás.
Revolução editorial
Murong Xuecun é o pseudônimo de Hao Qun, 37, um dos mais famosos numa safra de escritores chineses que se tornaram sensações editorais na última década graças ao uso astuto que fazem da internet.
Os livros de Murong são picantes, violentos e niilistas, com histórias de empresários e autoridades envolvendo-se em subornos, brigas, bebedeiras, jogos de azar e programas com prostitutas nas prósperas cidades chinesas.
O simples fato de seus livros serem publicados na China mostra como o setor, outrora muito controlado pelo Estado, está mais voltado para o mercado.
Mas a prosa de Murong inevitavelmente esbarra na censura. O autor se diz um “criminoso da palavra” aos olhos do Estado, e um “covarde” aos seus próprios olhos, por recorrer à autocensura. Ele contou que já abandonou pela metade dois romances que suspeitava que jamais seriam publicados.
“O pior efeito da censura é o impacto psicológico sobre os escritores”, disse Murong.
“Quando eu estava trabalhando no meu primeiro livro, não me importava se ele seria publicado, então escrevi o que quis. Agora, após ter publicado alguns livros, posso sentir claramente o impacto da censura quando escrevo. Por exemplo, penso em uma frase, e aí percebo que ela certamente será suprimida. Então nem a escrevo. Essa autocensura é o pior.”
Suas frustrações o levaram a se tornar um dos mais inflamados críticos da censura na China. Após fechar a boca em novembro de 2010 em Pequim, ele leu publicamente seu discurso proibido três meses depois, em Hong Kong.
Murong deve o seu sucesso comercial ao fato de ter encontrado formas de praticar a sua arte e de angariar leitores na internet, fora da indústria editorial, onde o patrulhamento é maior.
Ele aborda questões políticas em um blog e em um serviço semelhante ao Twitter. Conforme escreve os romances, vai colocando-os na internet, capítulo por capítulo, sob diferentes pseudônimos.
Quando o livro está concluído, ele assina contrato com uma editora. As edições impressas, censuradas, rendem dinheiro, mas as versões da internet são mais completas.
Em 2004, a estatal Rádio China Internacional qualificou o popular romance de estreia de Murong como “um formador de opinião cibernético”. Mas autoridades da cidade de Chengdu, onde a história se passa, denunciaram a obra. A versão sem censura foi traduzida para o inglês (Leave Me Alone: A Novel of Chengdu, que significa “deixem-me em paz: um romance de Chengdu”) e indicada em 2008 ao prestigioso Prêmio Literário Asiático Man.
A internet não oferece libertação total aos escritores chineses, já que há monitoramento. Mesmo assim, ela desencadeou uma revolução editorial, permitindo novas vozes. Os editores podem caçar talentos e comprar os direitos para edições impressas.
Palavras não ditas
O site Rongshuxia é particularmente influente, divulgando romances de Annie Baobei, Ning Caishen e Li Xunhuan (pseudônimo de Lu Jinbo, hoje um importante editor que apoia Murong).
“A internet criou todas -e digo todas- as tendências literárias que decolaram em 2005 e depois”, disse Jo Lusby, editora-gerente da Penguin China.
Murong já escreveu quatro romances e um livro-reportagem, baseados nos anos que passou vivendo em grandes cidades chinesas e trabalhando como consultor jurídico e em outros cargos.
Ele escrevia nas horas vagas e enviava os textos para revistas, mas era sempre rejeitado. Até que topou na internet com um fórum interno da empresa de cosméticos onde trabalhava. Ali amadores colocavam poemas e contos.
“Vi um romance intitulado ‘Minha Pequim’, que me inspirou”, disse. “Pensei: ‘Também posso escrever esse tipo de coisa’.”
Depois que Murong assinou contrato para publicar o romance de Chengdu, foi obrigado a cortar 10 mil palavras. Mas, depois que o livro saiu, ele colocou o original não censurado na web. “A sensação foi libertadora”, afirmou.
Alguns autores são céticos quanto ao efeito dos livros não censurados na internet. Chan Koonchung, autor de Os Anos Gordos, romance distópico publicado em Hong Kong e Taiwan, mas vetado na China continental, disse acreditar que apenas um pequeno número de pessoas na China comunista leria o livro na rede, já que ele não pode ser citado na imprensa ou em outros fóruns.
Murong começou a se amordaçar no segundo livro. “Eu já sabia onde estavam os limites”, disse.
Ele originalmente planejou que os protagonistas tivessem vivido os protestos de 1989 na praça Tiananmen. Mas disse que não se atreveu a ultrapassar essa “intocável linha vermelha”. A versão completa da história está online.
“Agora que estou ciente das minhas tendências à autocensura, tento compensar isso na hora de escrever”, disse Murong. “Posso escrever uma versão, e publicar uma versão ‘mais limpa’.”
Sua amizade com os editores o leva a se curvar à censura. “Não quero colocar meus amigos em apuros”, afirmou. “Se eles dizem algo é arriscado, ou que eles podem perder o emprego por causa disso, eu os deixo suprimirem o que quiserem.”
A luta mais dolorosa de Murong contra a censura ocorreu quando ele trabalhava com um editor na preparação do seu livro mais recente, China: Na Ausência de Um Remédio, que documenta os 23 dias que ele passou investigando clandestinamente um esquema de pirâmide. O livro saiu no ano passado, e foi aclamado. A revista Literatura Popular, fundada por Mao Tse-tung, o premiou.
Mas sua edição envolveu inacabáveis negociações. Até termos como “chineses” tiveram de ser trocados por “algumas pessoas”. Murong gritou com o editor e socou uma parede da sua casa. “Em 2008, a censura foi dolorosa, e pude suportá-la. Mas, em 2010, eu não aguentava mais.”
Zhang Jingtao, o editor, disse que queria “tornar o livro mais adequado à nossa sociedade e aos nossos tempos”. “Meu trabalho é ser o controle de qualidade ideológico”, afirmou.
Em novembro do ano passado, na véspera da cerimônia de premiação da Literatura Popular, Murong passou oito horas preparando o seu discurso.
Ele escreveu: “A única verdade é que não podemos falar a verdade. O único ponto de vista aceitável é que não podemos expressar um ponto de vista”.
O discurso tinha 4.000 palavras. Mas nem uma só foi pronunciada naquela noite. [Mia Le contribuiu com pesquisa]
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Reproduzido da Folha de S.Paulo / The New York Times, 14/11/2011
[Edward Wong escreveu de Pequim para o New York Times]