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Segredo Segredíssimo é destaque no G1
Vítima de abuso sexual diz que tema deveria ser abordado nas escolas
Odívia Barros, de 33 anos, é autora do livro ‘Segredo Segredíssimo.’
História de abuso sexual na infância foi vivida pela escritora.
Vanessa Fajardo Do G1, em São Paulo
Assim como a menina Adriana, personagem do livro “Segredo Segredíssimo”, sua criadora, a autora Odívia Barros, de 33 anos, sofreu abuso sexual na infância. A obra, lançada neste mês, é destinada a crianças e conta a história de uma menina triste e medrosa que tinha um segredo: era abusada por um “tio”. Para Odívia, é essencial que o tema seja abordados nas escolas, logo nos anos iniciais do ensino fundamental. Especialistas na área de políticas públicas na infância e adolescência defendem que o tema precisa ser discutido no ambiente escolar, mas requer uma formação dos educadores.
A escritora argumenta que especialistas avaliam que a partir dos 5 anos já é possível orientar as crianças sobre a abordagem sexual imprópria por parte dos adultos. “Eles apontam que, após o convívio familiar, a escola mostra-se como situação ideal para detecção e intervenção junto aos casos de abuso sexual, justamente pelo tempo considerável em que a instituição, a criança e seus familiares interagem. É imprescindível discutir o tema. Ou fazemos isso ou os abusadores continuarão chegando primeiro.”
A obra mostra a dificuldade que as vítimas têm de denunciar a situação. Na história, Adriana só contou sobre o abuso à mãe porque foi incentivada pela amiga Alice.
Odívia foi motivada a escrever o livro, pois queria evitar que a filha, de 5 anos, passasse pela mesma situação. “Mas como falar de um assunto tão difícil com uma criança? Pensei que deveria existir um livro que orientasse sobre o tema, sem assustá-las. Então resolvi escrevê-lo. Esse é o meu livro de estréia. Outros virão.”
Para ela, a escola tem o compromisso ético e legal de notificar às autoridades casos suspeitos ou confirmados de maus-tratos, que incluem a violência sexual. “O ambiente escolar é um excelente lugar para que as discussões sobre abuso sexual aconteçam, sempre respeitando a faixa etária e o nível de conhecimento da criança.”
Capa do livro de Odívia Barros (Foto: Divulgação)
Formação de professores
Na opinião de especialistas ouvidos pelo G1, o falar de abuso sexual na escola requer, sobretudo, uma formação especializada dos educadores.
“É necessário adequar a discussão para as pessoas que podem contribuir. Refletir com formadores de opinião, professores e educadores. A escola é um espaço apropriado, mas é necessário tratar com ressalva o público infantil”, diz a socióloga Graça Gadelha.
Para Graça, publicações como “Segredo Segredíssimo” necessitam de orientação e diálogo porque a “criança não tem capacidade de refletir e entender a mensagem.”
Itamar Gonçalves, coordenador de programa da Childhood Brasil, concorda que tais livros exigem “mediação.” “É um material adequado, mas exige orientação de um adulto, da família ou da escola. Hoje não dá mais para a escola ficar ausente desta conversa. A comunidade escolar tem papel fundamental na prevenção, identificação, bem como na notificação dos casos de violência sexual.”
Para Gonçalves, o tema sexo ainda é tabu na sociedade, muitas vezes os educadores são conservadores. Porém, segundo ele, é necessário discutir questões como desejo e afetividade, que vão muito além do conceito do início da década de 90 que tratava o sexo apenas como reprodução.
A Chidlhood Brasil, organização que defende os direitos das crianças e adolescentes contra abuso e explora sexual, possui um projeto de formação de educadores que já foi levado para os municípios de São Paulo e do Grande ABC. Atualmente, o trabalho é desenvolvido em nove cidades pernambucanas. O objeto é capacitar os educadores para que saibam prevenir, identificar e notificar os casos de violência sexual.
O Ministério da Educação também realizou um projeto de formação de 500 profissionais, sendo 430 da educação e 70 da rede de proteção de direitos de crianças e adolescentes, entre eles, conselheiros tutelares, profissionais de saúde e do desenvolvimento social. Além disso, o MEC possui três publicações que contemplam o tema destinadas aos educadores. São elas: “Guia Escolar: Métodos para Identificação de Sinais de Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”, “Escola que Protege” e “Impactos da Violência nas Escolas”.
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Descrição: |
Na Folha de S.Paulo – Cirurgia a frio
Por GUILHERME GENESTRETI
DE SÃO PAULO
No século 19, se alguém procurasse um hospital para tratar um problema no joelho, seria amarrado a uma mesa, e dois ou três enfermeiros segurariam seus ombros e braços enquanto o cirurgião, com as mãos ainda sujas por ter feito a autópsia em um cadáver, serraria seu osso para amputar o membro.
Tudo isso sem anestesia.
Descrições como essa, de um tempo em que o necrotério ficava bem ao lado da sala de operações, estão nas páginas de “Sangue e Entranhas”, livro que conta a história das cirurgias.
O autor, Richard Holligham, jornalista de ciência e apresentador da BBC, recua aos tempos de Galeno, e suas operações em gladiadores feridos nas arenas do Império Romano, e chega às técnicas recentes, como implantes de eletrodos no cérebro.
Nessa trajetória, Hollingham não poupou detalhes: fala de sanguessugas famintas, transplantes desastrados, lobotomias e máquinas futuristas que faziam as vezes dos órgãos do corpo.
“Muitos dos relatos parecem cena de filme de terror, mas ser operado antigamente era exatamente assim”, disse ele à Folha, por telefone, de sua casa, em Londres.
“As necessidades dos cirurgiões eram extremas. Só se operava quando não havia outra saída.”
MÉDICOS E MONSTROS
Hollingham escolheu cinco eixos para contar a evolução das operações: as cirurgias cardíacas, neurológicas, plásticas, a traumatologia e os transplantes.
Em todos, a figura do cirurgião evolui de um barbeiro ou outro membro das classes mais baixas até o profissional altamente especializado.
“Os médicos tinham boa reputação na sociedade, haviam estudado. Mas quem salvava as vidas eram os cirurgiões, menos letrados, mas habilidosos”, afirma.
Para salvar a vida valia tudo, até derramar óleo fervente sobre as feridas à bala, para neutralizar os efeitos “venenosos” da pólvora.
“Imagine o que era operar sem anestesia. As possibilidades eram limitadas”, diz André Mota, professor de história das práticas médicas e coordenador do Museu Histórico da Faculdade de Medicina da USP.
“Dizia-se que o cirurgião tinha que ter olhos de lince, mãos de mulher e a rapidez de uma lebre”, afirma.
Mesmo após a chegada da anestesia, os pacientes continuaram morrendo aos montes. “Com as mesmas mãos que o cirurgião fazia uma autópsia, ele comandava um parto”, diz Mota.
Para Hollingham, o período entre o surgimento da anestesia e a descoberta da importância da assepsia é o mais sombrio da história das cirurgias. “Muita gente morreu nessa época, porque graças à anestesia as operações puderam ser mais longas e profundas, sem que houvesse cuidado com limpeza.”
ENTRAR NA FACA
Apesar dos avanços, da medicina computadorizada e das cirurgias minimamente invasivas, o medo de deitar na maca ainda persiste.
“Nos primeiros anos dos transplantes de coração no Hospital das Clínicas, tinha paciente que fugia, com medo de ser usado como cobaia”, conta André Mota.
Em novembro do ano passado, foi a vez do próprio Hollingham passar pela faca, como muitos dos personagens que descreve no livro.
Deitado numa maca à espera de uma operação na articulação do joelho, ele diz ter parado para pensar que uma cirurgia como essa, há 200 anos, teria resultado numa amputação.
Indagado sobre se sentiu medo enquanto esperava a sua hora de ser operado, ele responde: “Eu tinha razões para isso. Sei muito sobre cirurgias”.
SANGUE E ENTRANHAS
AUTOR Richard Hollingham
EDITORA Geração Editorial
QUANTO R$ 42 (360 págs.)
ANÁLISE
Há feridas abertas entre clínica e cirurgia
Por HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA
Os médicos não gostam muito de admiti-lo, mas é forte até hoje a rivalidade entre clínicos e cirurgiões.
O antagonismo tem origens no final da Idade Média. Mais ou menos até o século 12, clínica e cirurgia eram indissociáveis e praticadas, em geral, por clérigos.
A uma dada altura, a Igreja Católica ficou incomodada com o fato de padres e monges se ausentarem de suas obrigações para praticar medicina, de modo que baixou normas para afastá-los da profissão, que as autoridades eclesiásticas viam como uma atividade secular não compatível com a missão divina.
As restrições mais fortes vieram em 1215, no 4º Concílio de Latrão, e atingiram especialmente a cirurgia: “subdiáconos, diáconos e padres” foram proibidos de “exercer qualquer arte médica que envolva cortar ou queimar”.
A ideia era evitar que membros da Igreja se metessem com homicídios, ainda que involuntários.
Como alguém precisava “cortar e queimar”, chamaram os barbeiros, que, ao menos, estavam habituados às lâminas. O divórcio entre clínica e cirurgia estava selado.
Clínicos eram da elite e tinham grau universitário, ainda que a medicina da época não servisse para muita coisa. Já os cirurgiões eram barbeiros, cuja função era meter a mão na massa.
Só a partir do século 18 as carreiras se reconciliaram, embora algumas feridas não tenham cicatrizado até hoje.