Na tortura, Pedro dá pistas; e o espião entra na mata
Pedro Albuquerque Neto foi o primeiro guerrilheiro do Araguaia preso. Apanharam-no no Dops quando tentava tirar a segunda via da carteira
de identidade. Queria retomar os estudos depois de dois anos afastado da Faculdade de Direito. Perseguido, entrara para a clandestinidade antes de viajar para o sul do
Pará. Ao retornar, trabalhava na informalidade. Sobrevivia escondido em aparelhos do partido em Fortaleza, Recife e João Pessoa. Tinha participado apaixonadamente do movimento estudantil. Estava entre os mais de mil presos em Ibiúna, interior de São Paulo, no congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE). Filho de comunistas, tinha dez anos de militância.
Na Polícia Federal, foi torturado e humilhado. Resistiu, mentiu e trocou nomes de pessoas e regiões. Xambioá, ele chamou de Xangri-Lá. Disse que tinha contato no PCdoB com André, que nunca existiu. Falou do suposto dirigente Mário Alves, militante histórico, morto pela repressão um ano antes. O verdadeiro Mário Alves nunca pertenceu ao PCdoB. Saiu do Partido Comunista Brasileiro para fundar, em 1968, o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário — PCBR.
O prisioneiro negou pertencer ao PCdoB, mesmo desmentido durante acareação com José Sales Oliveira, outro militante preso. Sales aceitou
colaborar com a polícia e testemunhou contra Pedro. O resultado foi mais tortura. Em duas semanas de sofrimento, Pedro deu pistas sobre suas atividades clandestinas. Um relatório descreve como o militante foi mandado pelo partido para São Paulo, junto com a esposa. Viajaram e se encontraram com um militante de codinome Lauro, branco, mais ou menos 45 anos, que o encaminhou para “Mário Alves”. Em São Paulo, o casal recebeu a tarefa de viajar para Belém, onde teria outro contato.
Pelo depoimento de Pedro arquivado no CIE, o casal foi recebido em Belém por Paulo, cor clara, cabelos pretos, 33 anos, aproximadamente
1,70 m. Paulo conduziu os dois até Cigana, lugarejo no município de Conceição, sul do Pará. No local havia outros 15 militantes, divididos em
cinco células (célula é o nome dado por alguns partidos às unidades mínimas na base da organização). O grupo constituía um destacamento formado para implantar um movimento de guerrilha no Bico do Papagaio.
No dia 17 de março de 1972, a Delegacia da PF de Fortaleza envia relato dos depoimentos de Pedro Albuquerque para órgãos de repressão. O
CIE arquiva as duas páginas e meia do documento a partir do número 000236 00174 0001, todas com carimbo de Confidencial. Na conclusão o relatório informa que, na noite de 16 de março, Pedro tentou suicídio. Foi levado para um hospital. No pé da última folha, um aviso: “O destinatário é responsável pela manutenção do sigilo deste documento”.
O CIE de Brasília retransmitiu no dia 21 de março de 1972 para a 8ª Região Militar (RM), de Belém, resumo do relatório recebido de Fortaleza. O telex nº 812-S-106-AF diz o seguinte:
Foi detido nesta delegacia Pedro Albuquerque Filho, militante do PCdoB, foragido desta área há cerca de dois anos. Pedro declarou ter estado com sua esposa no lugarejo Cigana, município de Conceição, no Pará, onde há campo de preparação de guerrilha rural dirigido pelos indivíduos Paulo e Vítor, ambos de São Paulo. Pedro e a mulher Tereza Cristina permaneceram no referido lugarejo por seis meses, junto com 15 indivíduos, sob treinamento. O casal abandonou o local no último mês de junho, quando guardava o aparelho enquanto os outros indivíduos faziam exercícios na mata. Pedro informou que as cidades de São Geraldo e Xangrilá são as mais próximas do campo de preparação de guerrilheiros. Esclareceu que para a fuga o casal apropriou-se de 30 mil cruzeiros da organização terrorista. Na noite do dia 17 de março, após prestar esses esclarecimentos, Pedro tentou suicidar-se seccionando as veias dos braços. Encontra-se agora em pronto socorro de hospital.
O texto telegráfico foi assinado pelo tenente-coronel Braga, do CIE/ADF, e pelo coronel Coelho Neto, subchefe do CIE. O general de brigada Darcy Jardim de Mattos, comandante da 8ª RM, ordenou à seção de informação de Belém a elaboração de um plano secreto para investigar as pistas arrancadas de Pedro Albuquerque. Montou uma equipe de sete investigadores. Três da 5ª Companhia de Guardas do Exército, dentre eles um oficial comandante do grupo. A Marinha e a Aeronáutica forneceram os outros quatro agentes, dois de cada força.
A missão recebeu o nome de Operação Peixe I, em homenagem à Marinha e por um jogo de palavras. Imaginaram uma rede de pesca para
capturar subversivos por meio de uma teia de informações.
Livro: Operação Araguaia