A incrível história de JT LeRoy, escritor que existiu, mas era ficção
Filme com Kristen Stewart e Laura Dern recria caso do autor inventado por uma roteirista e encarnado durante seis anos por sua cunhada
SÃO PAULO – Na virada do milênio, um dos nomes mais falados do mundo literário era JT LeRoy . Ex-garoto de programa soropositivo abusado sexualmente na infância pela mãe prostituta viciada em drogas, o jovem criado numa cidadezinha da Virgínia Ocidental recriou sua trajetória nos livros “Sarah” (2000) e “Maldito coração”(2001) e virou best seller internacional. Atraiu a atenção de críticos e de celebridades como Gus Van Sant, Tom Waits, Courtney Love e Winona Ryder — Asia Argento, comentava-se, teria tido um caso com ele.
Com seu visual andrógino, cabelos loiros e chapéus pretos, o recluso escritor prodígio fazia esporádicas aparições públicas — esteve até em Paraty, na Flip de 2005. Nesta sexta (19), chega ao iTunes “JT LeRoy”, filme que mostra a incrível escalada do seu sucesso. Detalhe: era tudo mentira.
LeRoy não passava de uma invenção da escritora e roteirista americana Laura Albert (vivida no longa por Laura Dern) e de seu marido, Geoffrey Knoop (Jim Sturgess). Quando aparecia em público, era a irmã de Geoffrey, Savannah (Kristen Stewart), quem interpretava o escritor, enquanto Laura assumia a persona de Speedie, sua assistente britânica. O ar misterioso e as frases sucintas eram estratégias para sustentar a farsa — descoberta em 2005.
Cai a máscara
A criadora de LeRoy, Laura, teve uma juventude marcada por abusos sexuais, traumas que inspiraram os livros de seu alter ego. Em entrevistas, ela disse que se sentia melhor escrevendo sobre certas coisas como um homem jovem do que como ela mesma. Além disso, ela estava fazendo roteiros para a série “Deadwood” (HBO) e não queria ver seu nome associado a obras barra-pesada.
A história por trás da encenação foi revelada em 2005 pela revista “New York”, numa reportagem que explodiu como uma bomba no mercado editorial e no mundo dos famosos. Em seguida, o “New York Times” seguiu a pista e publicou um artigo de Geoffrey Knoop, dando todos os detalhes da farsa literária da qual também foi artífice.
Pouco antes da publicação das reportagens, Leroy e sua trupe vieram ao Brasil. Passaram por São Paulo, onde compareceram a eventos de lançamento do livro “Sarah” pela Geração Editorial, e também foram ao Rio, onde participaram da Flip. A passagem por Paraty, inclusive, inspirou Luciana Pessanha a escrever uma peça, “JT — Um conto de fadas punk” , montada em 2012 no CCBB e assistida pela própria Laura Albert.
Três anos após o trio ser desmascarado, Savannah escreveu um livro sobre a experiência e encarnar o autor, “Girl boy girl: How I became JT LeRoy”. Ela conta como, muito jovem, mergulhou em uma encenação que a transformou em uma celebridade instantânea.
De lá para cá, foi para Nova York, se apresenta como artista e cineasta e adotou a neutralidade de gênero.
— Muita coisa mudou desde então. Aquilo foi apenas um episódio entre tantos de uma vida inteira. Além disso, acho que tem a compensação de ficarmos mais velhos e aprendermos mais sobre nós mesmos, fazendo assim com que nos sintamos mais à vontade — diz Savannah, 38 anos, que assina o roteiro do filme com o diretor Justin Kelly.
Em uma declaração sobre o longa, Kelly escreve que o filme fala sobre pessoas cujo desejo de mudar sua identidade se manifesta de formas inimagináveis: “Esta me parece mais relevante agora do que nunca. É sobre o poder da crença, o culto à personalidade, a fluidez do ser e o desejo de pertencimento”.
Verdades e mentiras
Quando começou a encarnar JT LeRoy, Savannah tinha 19 anos — mesma idade de Kristen Stewart no primeiro filme da saga de vampiros “Crepúsculo”. Ao falar de sua personagem, a atriz parece ecoar seu início de carreira, hoje marcada por filmes menos comerciais.
— Savannah era muito jovem quando tudo aconteceu. Tentou se encontrar naquela situação, fingindo ser aquilo que não era. O que me atraiu foi justamente essa pessoa que mergulha inteiramente numa história, com as melhores intenções — diz Kristen, por telefone. — É legal poder lançar luz sobre algo que ninguém conhece direito e que praticamente todos julgam sem conhecer os detalhes.
Já Laura Dern, que assume o papel da xará Laura Albert, admite: uma de suas primeiras reações ao se envolver no projeto foi condenar a criadora de JT LeRoy.
— Eu li (o roteiro) superficialmente e minha reação imediata foi negativa. Por que uma pessoa tem que criar outra para se expressar? Mas para interpretá-la é preciso entendê-la — diz a musa de David Lynch e estrela de “Big little lies” (HBO). —Savannah possui uma profunda compreensão da necessidade de Laura criar uma personalidade alternativa para poder expressar. Ela não podia assumir aquele livro e Savannah entendeu aquilo.Apoie o jornalismo profissionalA missão do GLOBO é a mesma desde 1925: levar informação confiável e relevante para ajudar os leitores a compreender melhor o Brasil e o mundo. São mais de 400 reportagens, artigos, fotos, vídeos e áudios publicados diariamente e produzidos de forma independente pela maior redação de jornal da América Latina.
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