Filha de d. Pedro foi sepultada no Cemitério da Consolação
Descoberta é do historiador Paulo Rezzutti, que prepara livro sobre o primeiro imperador do Brasil.
As armadilhas da burocracia são tantas que nem a morte escapa delas. Quase 120 anos depois do enterro, a notícia é recuperada de empoeirados escaninhos: uma filha de d. Pedro I, aquele que declarou o Brasil independente de Portugal, foi sepultada no Cemitério da Consolação, no centro de São Paulo. Trata-se de Maria Isabel de Alcântara Bourbon, a Condessa de Iguaçu, última dos cinco filhos que o imperador teve com sua mais famosa amante, Domitila de Castro Canto e Mello, a Marquesa de Santos.
Tanto o endereço da sepultura quanto o local da morte de Maria Isabel não eram consenso entre pesquisadores – ela passou a vida entre São Paulo e Rio, então eram fortes as suspeitas de que teria sido enterrada em algum cemitério carioca; e já houve quem afirmasse até que ela teria morrido na mineira Ouro Preto. Quem decidiu passar a limpo o que era um rascunho deste fragmento da História do Brasil foi o arquiteto e historiador Paulo Rezzutti, membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. “Estava finalizando meu novo livro, a biografia de d. Pedro (‘D. Pedro: a história não contada – O homem revelado por cartas íntimas e outros documentos inéditos’, cujo lançamento, pela editora Casa da Palavra, deve ocorrer no próximo semestre) e me deparei com o desafio de pesquisar a respeito dos filhos dele”, conta o pesquisador.
Maria Isabel era um ponto confuso nessa história. Ao contrário da irmã Isabel Maria, Duquesa de Goiás – que foi sepultada na Alemanha –, as informações publicadas apresentavam discrepâncias. Então Rezzutti decidiu ir a campo. Vasculhou arquivos do Cemitério de São João Batista, no Rio. “E fui procurar nos óbitos das igrejas de São Francisco Xavier do Engenho Velho, na Tijuca, e na Igreja de São Francisco da Penitência, no Centro do Rio de Janeiro”, relata. Mas nada de encontrar uma linha sobre a filha do imperador.
Foi quando um artigo publicado pelo jornal Estado de Minas em 1962 ajudou. “Era uma crônica escrita por um sujeito que, naquela altura bem mais velho, se recordava do tempo em que morou em São Paulo, próximo da Estação da Luz”, conta Rezzutti. “E ele contava que era vizinho da Condessa de Iguaçu, com quem a molecada toda da rua aprendeu a falar palavrão.”
A pesquisa retornava, então, para São Paulo. O historiador encontrou a primeira pista: o obituário de Maria Isabel, publicado em 6 de setembro de 1896, por este O Estado de S. Paulo. “Faleceu ontem, nesta cidade, a sra. Condessa de Iguaçu, filha da finada Marquesa de Santos. O enterro dá-se hoje, subindo o féretro da rua dos Protestantes. Os nossos pêsames à exma. família enlutada”, dizia a nota.
Confirmado o local da morte, restava para o historiador concluir o endereço do sepultamento – o que veio com o registro de óbito, lavrado pelo 5º Cartório de Registro Civil de Santa Ifigênia. “Faleceu nesta capital (…) em sua residência na Rua dos Protestantes nº 31. Causa mortis: arterioesclerose. Não deixou testamento, apenas a relação de alguns donativos a serem feitos. Foi enterrada no Cemitério Municipal”, relata o documento. Cemitério Municipal é o nome original do Cemitério da Consolação, inaugurado em 1858 como o primeiro cemitério público da cidade.
Mas o biógrafo da Marquesa – publicou em 2013, pela Geração Editorial, ‘Domitila: a verdadeira história da Marquesa de Santos’ – e agora de d. Pedro queria descobrir qual era o túmulo. Foi ao Arquivo Histórico Municipal, que guarda os registros anteriores a 1930 do cemitério. Encontrou lá a preciosa informação, manuscrita no verso da folha 68 do Livro de Inumação número 21: “sepultou-se no terreno perpétuo à Rua 1, sepultura n.º 5, o cadáver de d. Maria Isabel de Alcantara Bourbon, Condessa de Iguaçu”. “Ela estava o tempo todo aqui, tão perto”, comenta Rezzutti. Perto, no caso, porque praticamente ao lado do tantas vezes por ele visitado túmulo da Marquesa de Santos.
Simples e sem adornos, o túmulo não traz qualquer registro do nome de Maria Isabel. “Não dá para saber se nunca houve ou se acabou se perdendo com o tempo. Mas agora acho relevante, afinal uma filha do primeiro imperador do Brasil está enterrada aqui”, diz o pesquisador. Há menções a outros dois nomes no jazigo. “Aparecem a avó, a viscondessa de Castro, mãe da Domitila, que depois foi retirada de lá e enterrada junto com a filha; e o comendador Felício Pinto Coelho de Mendonça e Castro, filho mais velho da Domitila, fruto do seu primeiro casamento com o alferes Felício Pinto Coelho de Mendonça”, pontua.
Fonte: Estado de SP