Eldorado existe, o descobridor também: Breno, o geólogo.
Até os índios sabiam — Vale lucra US$ 30 bilhões num ano: nove
vezes o recebido na privataria — Marabá explode ao saber da
siderúrgica da Vale — Índio oferece jabuti pela sósia de Jackie
Kennedy — Toque de Japão
Até 1967, os brasileiros ignoravam que, no coração do país, jazia a maior província mineral do mundo. O estudo mais recente que existia, realizado durante o governo JK, entre 1955 e 1961, dava a área como sem valor econômico algum — “puro calcário”. Lembra outra história daqueles tempos, quando por aqui apareceu certo Mister Link, técnico da Standard Oil, que decretou:
“No Brasil não existe petróleo.”
Até os índios sabiam que Pindorama tinha muita riqueza no solo.O brasileiro que descobriu aquela monumental jazida, nas memórias narradas para o Museu da Pessoa, conta a lenda da Serra dos Martírios. Ela era já conhecida dos bandeirantes. Quando subiram para Piratininga cinco séculos antes, os índios lhes contaram…
“… que no centro do continente havia um grande lago com muita riqueza, e daí as bandeiras começaram a ir para o Araguaia”. Era a lenda de Paraopava — como os portugueses chamavam o futuro Araguaia. A primeira citação ao descobridor de tamanha riqueza, que FHC entregaria duas décadas mais tarde, surge na revista Realidade de outubro de 1971. Lá trabalhamos, e nos conhecemos, Mylton Severiano e eu, na feitura de um número especial sobre a Amazônia. Nesse momento, o nome do descobridor sequer é citado — é apenas “um geólogo brasileiro”. Faz cinco anos que, a partir de 1966, helicópteros da US Steel, United States Steel, gigante americana do aço, voam entre os rios Xingu, Tocantins e Araguaia, procurando manganês. A revista Realidade conta:
Os voos misteriosos foram amplamente compensadores. Na área “sem valor econômico”, desceu em julho de 1967 o helicóptero de um geólogo brasileiro da US Steel. Para saber que estava diante de uma jazida de ferro, ele teve apenas o trabalho de saltar do aparelho e olhar as pedras cinzento‑avermelhadas do platô. E, para saber que estava diante de uma incrível jazida de ferro, teve ainda de sobrevoar os morros idênticos que se amontoavam ao lado do primeiro. E, finalmente, para tentar garantir a posse da mina para a US Steel, teve somente mais um trabalho: chamar seus chefes.
O geólogo brasileiro, que havia recém-comemorado seus 27 anos, chama‑se Breno Augusto dos Santos. Ficaríamos amigos. Nós nos conhecemos em 2008 no aeroporto de Belém, a caminho de Marabá e dos filmetes de propaganda para a Vale privatizada — veremos a seguir. Ele agora aos 68 anos, alto, esguio. Sempre de calça e camisa jeans azuis. Levamos uma hora até Parauapebas, mais uns vinte minutos de van até Carajás. Um rasgão de asfalto sem acostamento, e floresta encostada na pista dos dois lados. Ele não parou um segundo de falar. Naquele depoimento para o Museu da Pessoa, ele se apresenta assim:
Nasci no dia 1º de julho de 1940, na cidade de Olímpia, que fica ao norte de São Paulo, entre Barretos e Rio Preto. Em questão de menos de um ano mudei para São Paulo, e daí morei em São Paulo até os 23 anos.
Descendente de portugueses e italianos, ele descobriu Carajás em 1967.
Os gringos caem fora e vão para a Venezuela
A US Steel estava mais interessada em manganês, me contaria Breno 40 anos mais tarde. E a descoberta da jazida de ferro, que se estende numa área de 100 por 35 quilômetros, ficou escondida por um tempo. Mas era preciso registrar, para não perder os direitos sobre a exploração. O governo exigia em primeiro lugar a entrega do pedido ao Ministério de Minas e Energia. Ao mesmo tempo, portanto, o candidato “entregava” a existência da incalculável riqueza.
Os índios tinham razão. O Eldorado existia, não só pejado de ouro, como se veria, mas de ferro, tungstênio, cobre. Zinco também tem. Sem falar em prata, bauxita, níquel, estanho, até o manganês que a US Steel queria.
Na reportagem Amazônia, da edição de outubro de 1971 de Realidade, surge um americano loirinho, magro, de gestos suaves e fala bondosa, chefe dos trabalhos no acampamento da US Steel, na Serra dos Carajás, John Trimaine, que conta:
“A lei brasileira só permitia que obtivéssemos cinco mil hectares de concessões. Uma área de cinco por dez quilômetros. E a jazida se estendia
por 160 mil hectares.”
Os gringos pediram então a área permitida em nome da subsidiária Meridional de Mineração, mais 31 em nome de diretores e funcionários da US Steel.
“O governo brasileiro parece que ficou espantado com a quantidade de pedidos”, narra Trimaine, “e só deu a concessão dos cinco mil hectares da Meridional.”
O resto ficou “em estudos”. Mas, no decorrer das negociações, o governo resolve mudar as regras, senão ninguém viria explorar aquilo.
Aumentam a área limite para 50 mil hectares, permitem à US Steel abrir uma subsidiária com 30 mil hectares, totalizando 80 mil; os outros 80 mil ficam para a estatal Companhia Vale do Rio Doce, CVRD, criada em 1942 por Getúlio Vargas, que exigiu 51 por cento das ações para a estatal — cinco décadas antes de FHC vendê‑la transformada numa das maiores mineradoras do mundo, maior empresa do ramo no continente latino‑americano e maior exportadora do Brasil.
A US Steel cairia fora em 1977, por divergências com a Vale. A US Steel queria segurar a produção porque possuía outra boa jazida na Venezuela. A Vale não lamentou.
Um minério ainda mais puro que o de Itabira
É a partir de 1942 mesmo que a Vale passa a explorar minério, na Itabira natal do poeta Carlos Drummond de Andrade, no Vale do Rio
Doce, que ela ajudou a devastar. A montanha ferrosa emitia um brilho azul, que os bandeirantes já conheciam em 1720 — “ita bira”, chamavam os índios: “pedra empinada, pedra alta”.
O que a Vale já fez em Carajás, 550 quilômetros a sudeste de Belém, ainda não encontra similar quando nos debruçamos sobre o desmonte de vários dos picos semelhantes ao Cauê, espalhados por uma das regiões mais belas do Brasil, do ponto de vista histórico ou cultural — as antigas Minas Gerais. Drummond trabalhou de 1934 a 1945 no Ministério da Educação a convite do ministro Gustavo Capanema, seu amigo mineiro. Soube de dentro do governo que se preparava o desmonte da montanha de minério de ferro que avistava desde a infância. Seu Sentimento do Mundo, de 1940, anteviu no poema Confidência do Itabirano que a paisagem viraria um retrato na parede:
Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
O ferro que se vai transforma‑se mundo afora em vigas, pontes, armamento, automóveis, navios, ferramentas. Sobrará uma cratera, destino de Carajás.
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
O trem da estrada de Minas ao Espírito Santo, até o porto de Tubarão em Vitória, com 150 vagões, não dá metade do trem de Carajás, ao qual cedeu o título de maior do mundo. E o novo minério, mais rico da crosta terrestre, é ainda mais puro que o de Itabira.
Em 2011, a produção bateu recorde: 110 milhões de toneladas. As jazidas deveriam durar 400 anos, mas talvez não deem para um século mais. A produção prometia dobrar em quatro anos. Bom para a Vale, que teve lucro de US$ 30 bilhões em 2011, quase dez vezes o valor que o Brasil levou com a privatização. Bom para o Pará? Bom para o Brasil? Já vamos avaliar isso…
Fonte: Livro O Príncipe da Privataria