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Não tive nenhuma ideia para esta crônica
Por Carlos Castelo
Aquele dia quando acordei, logo percebi: tinha perdido a inspiração.
É verdade, eu já havia passado por crises de inventividade. Só que, dessa vez, havia uma sensação enorme de vazio. Normalmente, quando a Ideia não me vem, tento alguns truques. Ouvir música, por exemplo. Escutei todo meu playlist de favoritos e nada. Outra saída costuma ser dar uma lida num livro. Bati os olhos no velho Gógol, sempre inspirava. Depois no Cheever, outra boa fonte. Mas nada, nada acontecia.
Comecei a me preocupar pra valer. Fui então dar uma volta pela cidade. O fato de caminhar, por si só, já oxigena o cérebro e pode fazer com que os neurônios desenvolvam uma boa história, talvez passível de tornar-se uma crônica razoável.
Devo ter passado muito tempo zanzando por ruas e avenidas. Porque, quando percebi, havia anoitecido e eu estava bem longe de casa. De repente estava num bairro totalmente desconhecido. O lugar era lúgubre, cheio de galpões decadentes e pichados de cima a baixo. Senti um calafrio na espinha e uma ansiedade por sair dali.
Foi quando percebi uma luz e uma certa movimentação na esquina da ruazinha onde me encontrava. Dirigi-me para o local feito mariposa em busca de lâmpada. Logo divisei uma placa na frente do único imóvel iluminado da viela. Lia-se nele “Centro pela Criatividade de Carlos Castelo.”
Devo ter ficado uns cinco minutos parado em frente ao sobrado em completo estarrecimento.Só depois do longo período criei coragem e encostei a cara na janela.
Vocês vão achar um absurdo, mas enxerguei lá dentro uma mesa enorme onde havia pessoas de diversas idades falando interessadíssimas sobre meus textos.
“Eu acho que ele anda repetitivo demais ultimamente. É sempre o mesmo blablablá” – queixava-se uma senhora cinquentona com os cabelos pintados de ruivo.
Um homem careca, com pinta de funcionário público, acrescentou:
“Bota repetitivo nisso. Sempre aquele humorzinho non-sense, quem ele pensa que é, o Kafka?”
“Quem? – berrou uma jovem tatuada. E o Kafka, por acaso, era esse palhaço sem graça? Ora, francamente, gente! Menos!!”
Todos começaram a discutir febrilmente. Foi quando um cidadão grisalho, um pouco parecido comigo, deu um soco na grande mesa de jacarandá e bradou com autoridade:
“Pessoas, não se esqueçam que estamos aqui pra ajudar o Carlos Castelo a produzir crônicas. Ainda mais na fase medíocre em que ele se encontra…”
Calaram-se e recompuseram-se. O homem careca então tomou a palavra, num tom mais brando:
“E se lançássemos aqui um pensamento coletivo pra que ele escreva nessa semana justamente sobre a falta de inspiração dele? Não ficaria intrigante? O cronista falando de suas limitações?”
“Sempre dá muitos views falar das próprias fraquezas. E o Carlos Castelo anda tão fraquinho mesmo, né?” – disse um outro membro do Centro que levava meu nome.
A jovem tatuada acrescentou:
“Deve ser a bebida. Todo escritor é meio deprimido, ele deve estar enchendo o caneco e produzindo esse lixo que lemos no site do jornal…”
Todos então fecharam os olhos, colocaram as mãos sobre a testa e ficaram numa atitude de quem está buscando enviar energias a alguém distante.
Nesse momento percebi que vinha um táxi. Corri para dentro dele e gritei meu endereço ao motorista desesperadamente. Desde então não consigo escrever uma linha que preste.
Fonte: Estadão