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Revista Época: Dê adeus às bibliotecas por Luís Antônio Giron
Instituições como a Biblioteca Nacional podem desaparecer ou ser vetadas à consulta em carne e osso
Por Luís Antônio Giron
Fonte: Revista Época
Nostalgia é o oitavo pecado capital destes tempos. Você pode ser retrô e reciclar informações do passado com o glamour e a retina exata do presente. Ser nostálgico e sentir saudade é pecar. Por que sentir falta de um passado que era mais atrasado, mais ridículo e mais sujo do que o presente? Como sei que o presente é o futuro passado e que os brilhos atuais vão parecer foscos aos olhos judiciosos do amanhã, continuo a gostar da nostalgia. Recaio sempre nela, e sinto o olhar reprovador de quem está por perto e nota a infração. Para horror de minha mulher, guardo uma edição da Encyclopedia Britannica, edição de 1962. Pior, vivo consultando seus verbetes absoluta e encantadoramente desatualizados. Agora que a Britannica deixou de ser publicada em papel e migrou inteirinha para a internet, só me resta o prazer táctil de folhear a minha velha prensagem da obra. Não posso evitar ser um ser pré-internético, pré-google, pré-instagram e o diabo a quatro.
Em um desses meus acessos incuráveis de nostalgia, cometi o crime de visitar a biblioteca pública do meu bairro. Cheguei de mansinho, talvez pensando em reencontrar nas prateleiras os livros que mais me influenciaram e emocionaram. Topei com prateleiras de metal com volumes empoeirados à espera de um leitor que nunca mais apareceu. O lugar estava oco. A bibliotecária me atendeu com aquela suave descortesia típica dessa categoria profissional, como se o visitante fosse um intruso a ser tolerado, mas não absolvido. Eu sei que as bibliotecárias, entre suas muitas funções hoje em dia, sentem-se na obrigação de ocultar os volumes mais raros de suas respectivas bibliotecas. Bibliotecas mais escondem do que mostram. Há depósitos ou estantes secretas vedadas aos visitantes. São as melhores – e, graças às bibliotecárias, você jamais chegará a elas.
Na recepção daquela pequenina biblioteca municipal, eu me senti uma assombração do passado a importunar a ordem do agora.
“Procuro uma coletânea de contos fantásticos de Aluísio Azevedo”, disse à senhora. “O senhor trouxe a referência?” Não. “Por que não consultou o catálogo pela internet?” Sei lá por quê, eu só queria parar por aqui e ler uns livros difíceis de encontrar e talvez levar emprestados… “Os empréstimos são limitados a quatro volumes e a devolução acontece em 15 dias”, ela metralhou, com os olhos pregados no monitor velho e encardido do computador. Por fim, depois de dar um pequeno passeio pelo interior da biblioteca, voltou para informar que não tinha o livro que eu buscava. Virei as costas, imaginando o alívio da funcionária em me ver ir embora. Agora ela podia regressar a sua preguiçosa solidão.
Em tempos idos, eu encontrava nas bibliotecas públicas um abrigo para meditar, planejar e fugir do mundo. Passeava pelas estantes como quem viajasse por outros planetas, tempos e realidades, memórias, histórias, uma lição de vida aqui, uma descoberta da crueldade humana ali, fantasias inúteis acolá. Devo às bibliotecas a minha formação. Fiz mestrado e doutorado passando tardes enfurnado na Mário de Andrade, no Arquivo do Estado e na Biblioteca Nacional. E sempre frequentei bibliotecas de bairro. Anos atrás, elas costumavam ser lotadas de leitores ávidos. Os usuários se interessavam por cultura, e não apenas como uma ferramenta para subir na vida e destruir os concorrentes. Havia oficinas e debates. Os livros de poesia e os romances não paravam nas prateleiras. Agora os ácaros, os carunchos e toda sorte de inseto venceram os leitores. Para não falar da umidade – que, recentemente, quase acabou com os periódicos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Saí da minha biblioteca do bairro e me dirigi a uma lan house próxima, repleta de meninos e adultos, absortos em pesquisar, mandar emails e jogar. Pela internet, encontrei O touro negro, de Aluísio Azevedo, disponível em arquivo digital no site do domíniopublico.br. Agora tudo quanto é livro pode ser encontrado em sites abertos, como archive.org, openlibrary.org e gutenberg.org. E pensei: perto de uma lan house imunda como aquela, as poeirentas bibliotecas públicas lembram santuários abandonados. Não espanta que as prefeituras de quase todas as cidades do Brasil queiram fechá-las. Daqui a pouco a venerável Biblioteca Nacional vai migrar inteira para o mundo on line, e proibir a entrada de leitores de livros em papel, os antigos livros reais. Será vetado o ingresso no recinto de leitores em carne e osso, gente atrasada que vive em busca de livros de papel. Tudo estará apenas “disponibilizado” (que verbo ridículo) pelas bases de dados via internet.
Sou obrigado a dar razão a esses baluartes do conhecimento que são os prefeitos de todas as cidades do Brasil. As bibliotecas não servem mais para nada nem a ninguém. Nem mesmo a mim, que sempre as amei. Ainda assim, toda vez que passo diante do prédio da biblioteca do meu bairro com a intenção de dizer adeus, não consigo.
Link: http://revistaepoca.globo.com/cultura/luis-antonio-giron/noticia/2012/05/de-adeus-bibliotecas.html
Os mandamentos do escritor, segundo Machado de Assis, Proust, Flaubert, Henry Miller e Borges
Fonte: Revista Bula
Dando sequência à série de conselhos literários (ou mandamentos literários), publico nesta edição os ensinamentos de outros cinco escritores seminais: Machado de Assis, Marcel Proust, Gustave Flaubert, Henry Miller e Jorge Luis Borges. A compilação reúne excertos de textos publicados nos livros “Pensamentos e Reflexões de Machado de Assis”, “Contra Sainte-Beuve: Notas Sobre Crítica e Literatura”, de Marcel Proust, “Cartas Exemplares”, de Gustave Flaubert, “Henry Miller on Writing”. Os conselhos de Jorge Luis Borges foram publicados numa edição especial da revista L’Herne. A primeira parte dos mandamentos literários pode ser visto aqui.
1 — A primeira condição de quem escreve é não aborrecer. (Machado de Assis)
2 — Para se ter talento é necessário estarmos convencidos de que o temos. (Gustave Flaubert)
3 — Há somente uma maneira de escrever para todos, que é escrever sem pensar em ninguém. (Marcel Proust)
4 — Escreva primeiro e sempre. Pintura, música, amigos, cinema, tudo isso vem depois. (Henry Miller)
5 — Evitar as cenas domésticas nos romances policiais; as cenas dramáticas nos diálogos filosóficos. (Jorge Luis Borges)
6 — Trabalhe de acordo com o programa, e não de acordo com o humor. Pare na hora prevista! (Henry Miller)
7 — Uma verdade claramente compreendida não pode ser escrita com sinceridade. (Marcel Proust)
8 — Palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução. (Machado de Assis)
9 — O autor na sua obra, deve ser como Deus no universo, presente em toda a parte, mas não visível em nenhuma. (Gustave Flaubert)
10 — Esqueça os livros que quer escrever. Pense apenas no que está escrevendo. (Henry Miller)
11 — O que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço. (Machado de Assis)
12 — Todo o talento de escrever não consiste senão na escolha das palavras. (Gustave Flaubert)/
13 — Mantenha-se humano! Veja pessoas, vá a lugares, beba, se sentir vontade. (Henry Miller)
14 — Evite a vaidade, a modéstia, a pederastia, a falta de pederastia, o suicídio. (Jorge Luis Borges)
15 — Um livro não deve nunca parecer-se com uma conversação nem responder ao desejo de agradar ou de desagradar. (Marcel Proust)