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 Uma coisa inútil - Geração Editorial Geração Editorial

abr 18, 2015
admin

Uma coisa inútil

Qual é a utilidade da literatura? E do amor?

Alguém pode me dizer qual é a utilidade do amor? Até hoje ninguém me convenceu. Ele, o amor, é inteiramente inútil. Como a vida. Não tem utilidade.

Penso nisso quando tenho de ouvir umas pessoas dizendo que literatura é uma coisa inútil. Sou obrigado a concordar. É inútil. E nestes tempos brabos em que as mentes já andam impregnadas de utilitarismo, inútil vai assumindo uma conotação pejorativa. Mesmo assim, concordo, a literatura é inútil.

Apesar disso, continuo lendo, e cada vez com maior paixão. E continuo vivo nem sei pra quê. Literatura, eu disse em uma palestra, é tão inútil como ter filhos. Alguém da plateia, inconformado, alegou que filhos têm utilidade, pois podem trabalhar. Saí do embaraço afirmando que se têm utilidade já não são mais filhos, são mão de obra. Utilidade, no sentido prático, nem o amigo pode ter. Se tiver, deixa de ser amigo para tornar-se ajudante, ou qualquer coisa parecida.

Nem todos tiveram o prazer de ler Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto. Aquele final fabuloso, em que o mestre carpina não consegue justificar por que continuar vivo. “…/mas se responder não pude/à pergunta que fazia,/ela, a vida, a respondeu/ com sua presença viva.” Tinha acabado de nascer um menino.

Ocorreu-me o poema ao ouvir a história de um amigo que tem uma cadela. Uma cadela adulta a quem jamais foi permitido o amor: ela vive confinada e sozinha. Há pouco tempo meu amigo ganhou um filhotinho de cachorro e ficou com medo de que sua cadela o estraçalhasse com uma bocada só. A cadela mostrou-se muito impaciente com os exercícios de aproximação que recomendaram a meu amigo. Enfim, vencida a primeira semana de parcimonioso convívio (de cheirar o pano sobre o qual dormia o filhote até deixá-lo ao alcance da cadela foi um bom tempo) o filhote foi entregue ao canil, ao alcance da cadela. Sua companheira cheirou-o, deu umas lambidas e se afastou como quem diz: Já conheci, agora chega.

Pronto, a aproximação fora concluída com êxito. Não sem medo, claro. À noite muitas coisas acontecem, as noites costumam esconder mistérios. Mesmo assim, e com bastante dificuldade, meu amigo deixou os animais entregues a seus próprios instintos e foi dormir, que ele também é gente.

No dia seguinte, o dono dos dois caninos foi conferir o resultado da manobra. Deitada, a cadela era sugada por uma das tetas. Sem acreditar no que via, meu amigo pressionou uma teta desocupada: saía leite. Sem pensar em utilidade, a cadela estava protegendo um ser vivo.

Fonte: Carta Capital

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