J.T. Leroy, uma história nos palcos – O Globo
No Rio, a americana Laura Albert, que inventou a farsa JT LeRoy, vê peça sobre sua história
RIO – As mãos ainda tremiam e o suor não disfarçava o nervosismo da autora Luciana Pessanha. Da plateia do Teatro I do CCBB, na última quinta-feira, ela observava a escritora americana Laura Albert elogiar, no palco, a sessão recém-terminada da peça “JT — Um conto de fadas punk”, escrita por Luciana e inspirada na história de Laura. Para quem não lembra, Laura inventou um escritor — JT LeRoy — que fez o maior sucesso ao narrar, em suposta obra autobiográfica, sua suposta vida de abuso sexual, prostituição e drogas.
— Será que ela vai odiar, ou me agredir depois da peça? — cochichava Luciana, minutos antes.
Mas, enquanto a atriz Débora Duboc interpretava Laura e Natália Lage vivia JT LeRoy, a real autora dos sucessos de JT parecia se divertir.
— Eu achei a peça muito louca, mas adorei — disse a escritora, que voltou para mais uma sessão na sexta-feira.
Laura veio ao Brasil relançar, na Bienal do Livro de Brasília (de 14 a 23 de abril), dois best-sellers “de” JT: “Sarah” (1999) e “Maldito coração” (2001). É a primeira vez que esses livros recebem o nome real da autora na capa. O contrato com editora brasileira (Geração Editorial) e a montagem da peça fazem Laura acreditar que vive “realmente um novo começo”, como diz:
— Recebi propostas de pessoas que só queriam arrancar pedaços de mim. Percebi que a intenção da Luciana era diferente e sinto que as pessoas estão voltando a se conectar com a minha obra.
Ex-cantora de uma banda punk fracassada e operadora de disque-sexo por dez anos, Laura só se consagrou como escritora na pele de JT LeRoy. A história do livro “Sarah” é contada pela perspectiva de um garoto de 12 anos, Cherry Vanilla, que vive com a mãe — Sarah —, uma prostituta que faz ponto numa parada de caminhoneiros. Já em “Maldito coração”, a escritora dá voz a Terminator LeRoy, numa obra “autobiográfica” que acompanhava um atormentado travesti de 16 anos, drogado e com problemas mentais, que teria sofrido abusos na infância.
Para não revelar sua identidade, Laura e o então marido, Jeff Knoop, fizeram com que a irmã dele, Savanah, aparecesse em público como JT. Bono Vox, Madonna, Lou Reed, Gus Van Sant, entre muitos outros, diziam-se fãs e amigos do “escritor”, que esteve na Festa Literária de Paraty (Flip) em 2005, até que o caso foi revelado pelo “New York Times”, em 2006. Laura foi processada e acusada de falsária, perdeu amigos, marido e direitos sobre os escritos. Tudo isso ela pretende contar num livro que está escrevendo, para publicar ainda neste ano, quando também deve ser lançado um documentário sobre sua vida, do americano Jeff Feuerzeig, diretor do festejado “The devil and Daniel Johnston” (2005).
— Muita arte foi criada tendo JT como inspiração, mas, após a revelação, tudo que surgia era obscuro. As pessoas foram instruídas a se sentir enganadas, mas agora vou dar a minha versão dos fatos.