Ouvir histórias e lendas é essencial para processo de alfabetização
Ouvir histórias, lendas, brincar de advinhas e trava-línguas são essenciais para as crianças em processo de alfabetização. Isso é o que defende o professor e pesquisador da USP Claudemir Belintane. Para ele, essas narrativas orais ampliam o repertório dos alunos e são instrumentos fundamentais na alfabetização.
Belintane defende que a fantasia é essencial para incentivar as crianças a ler mais e melhor. “A criança tem muita propensão a se envolver com mitos, aventuras, e esse envoltório é o que daria fôlego e vontade para ler textos longos. A fantasia da criança está em jogo no processo da leitura. O desejo de ler depende disso”, diz.
Qual é a diferença entre um aluno que fez a pré-escola e um que entrou direto no 1º ano do ensino fundamental?
Claudemir Belintane – Uma criança que não passa pela educação infantil tem menos chance de desenvolver determinadas habilidades, sobretudo ligadas à oralidade, ao uso de instrumentos relacionados à escrita e a brincadeiras. As crianças na educação infantil têm um programa de atividades que preparam para a alfabetização. Então, é de fundamental importância que a criança passe por esse ciclo de escolarização.
De que forma a formação do professor da educação infantil impacta na preparação do aluno para a alfabetização?
Claudemir Belintane – Até um determinado momento da nossa história esse ciclo não era muito considerado uma educação formal, então não se exigia muito a formação do professor. Quando você tem professores bem formados, que sabem o que fazer, que sabem dividir o tempo, que manejam um currículo na educação infantil, o resultado é muito bom. Hoje é uma preocupação dos governos reduzir o número de professores que não tenha essa formação.
O que é fundamental para um professor da educação infantil e dos primeiros anos do fundamental?
Claudemir Belintane – É importantíssimo que ele tenha um conhecimento razoável do que seja infância em contraposição ao mundo adulto, que ele conheça bastante a linguagem da criança, o modo com que ela se expressa e a possibilidade de expansão desse modo. Uma criança pode avançar muito na sua expressão, por exemplo, conhecendo diversidades de narrativas orais, de contação de histórias, de envolvimento com os tipos de narrativa. Ela pode chegar ao 1º ano do fundamental com um conjunto de narrativas diversificado na memória e isso dá um conjunto de matrizes textuais para receber o alfabeto. Então a criança vai ter o que escrever e, na hora de ler, ela vai ter esquemas, matrizes para ampliar a leitura, para tornar essa leitura mais dinâmica, porque senão ela passa a ser um leitor de frases curtas, de textos pequenos, que lê muito devagar.
Essa ampliação de matrizes é feita só por meio da contação de histórias?
Claudemir Belintane – Eu posso dizer que é a contação de histórias de uma maneira geral. A professora vai usar a contação e a narrativa oral, mas ela pode fazer isso amparada por livros, pode usar bons filmes, vai trabalhar a narrativa em todas as linguagens. Pode usar o texto poético, as brincadeiras de infância e os jogos que vêm da tradição oral infantil.
O que deve vir primeiro: a leitura ou a escrita?
Claudemir Belintane – Muitas crianças aprendem a escrever, mas são apenas bons copistas, não são escritas significativas, próprias, com traço de autoria. Na minha opinião, a leitura está em primeiro plano. A criança precisa aprender a ler, a escrita vem junto com a leitura, mas não necessariamente tem que ir na frente. Em geral, eles até exercitam atividades da leitura, mas as de escrita ocorrem em maior número.
Daí a dificuldade das crianças em interpretar textos?
Claudemir Belintane – Com certeza. Às vezes a dificuldade é de leitura mesmo. As crianças leem muito devagar, de forma pouco fluente, não têm leitura significativa. O número de alunos que consegue interpretar um texto para sua idade é muito pequeno, menos de 40% dos alunos. Isso um texto bem simples. Se for mais complexo, esse número cai para 10%. O que se tem que ter é um bom projeto de leitura, trabalhar a cultura oral das crianças, sobretudo nas escolas públicas, em paralelo com uma boa convivência com livros. O aluno tem que aprender com textos e contextos maiores. A criança tem muita propensão a se envolver com mitos, aventuras, e esse envoltório é o que daria fôlego e vontade para ler textos longos. A fantasia da criança está em jogo no processo da leitura. O desejo de ler depende disso.
De que forma os pais podem contribuir nesse processo de aprendizagem?
Claudemir Belintane – Os pais têm uma presença importantíssima. O interesse que a família tem por livros, a convivência que a família tem com materiais e mídias de qualidade, tudo isso tem uma influência muito grande.
Mas, e o se o pai não for letrado? A gente sabe que a família não letrada pode ter uma contribuição fundamental. Contar histórias, brincar de advinhas, com trava-línguas, isso qualquer pessoa, qualquer família pode fazer. O grande problema hoje é que as crianças são entregues a passatempos em que elas ficam muito passivas, como a televisão e o videogame.
Fonte: Educação Uol