Diferentes inteligências, diferentes literaturas & a cultura da erudição
Por Pedro Almeida
Nesse momento se acendeu uma luz vermelha imaginária na sala. Era para mim como se todos estivessem imóveis e eu assistindo a uma cena da inquisição. Foram segundos, mas lembrei naquela hora as repetidas vezes em que ouvi a mesma questão, sob a crença de que há um percurso necessário para se fazer com a Literatura, de que há um tipo de evolução, de que ler livros cada vez mais complexos é um ótimo caminho. Não é! E vou mostrar porquê.
Duas situações podem exemplificar bem isso. A primeira delas recebi dias atrás, num vídeo que vale muito a pena assistir e tomou o lugar hoje do filme que costumo comentar. Acontecia um importante Congresso de Ciência nos EUA, com a presença de grandes nomes. O principal deles, Neil DeGrasse, um cientista negro, que responde a seguinte pergunta feita com cinismo: Por quê há tão poucas mulheres na ciência? Assista.
Agora saiba que quem fez a pergunta foi Larry Summers, ex-Presidente da Harvard University e Secretário do tesouro no Governo Clinton (e também do Obama). Me diga agora se toda a cultura, todos os livros que essa pessoa leu serviu para alguma coisa? A pergunta de Larry, que presidiu uma das mais importantes universidades do mundo, representa um argumento simplista numa defesa que apenas reforça a sua classe: a de homem, branco e de elite. Poderia dizer que, provavelmente, seu pensamento é racista, misógino e deve acreditar na supremacia de um grupo sobre o outro, como algum tipo de seleção da natureza, sem levar em conta outros aspectos sociais. Mas tipos como esse, em que a larga cultura não cria um pensamento abrangente, há muitos.
A segunda situação foi aqui mesmo no Brasil. Recentemente, um filósofo muito conhecido, que figura nas listas de mais vendidos soltou a frase: “ Sempre achei que mulheres feias deveriam ser proibidas pela saúde pública!” Quando li, fui atrás da informação para ver se não era falsa, se não era algum tipo de trolagem. Mas não era. Foi feita de modo jocoso, e seu autor teve a coragem de defendê-la. Não tenho dúvidas de que este senhor é muito culto. Leu os grandes clássicos, mas me parece preso a um tipo de conceituação de relações sociais bem equivocada ou desigual. Sempre que ouço barbaridades assim me pergunto: De que adianta tanta cultura se não faz bom uso? Uma pessoa simples teria muito mais respeito pelos outros.
Vejam que estamos lidando com o “topo do topo” da pirâmide cultural. Imagine o meio.
Exemplos assim existem aos montes. As pessoas, todas, exercem suas opiniões com base em sua fonte de informação, interesse, experiência. E raramente se abrem para ouvir uma opinião que contradiga a sua. Sair de seu próprio meio cultural, estudar o outro lado, me parece um exercício inteligente que todos deveriam experimentar e cabe em qualquer situação.
Há, claro, muita gente culturalmente ignorante, perversa e corrupta pelo mundo. A educação, a formação cultural, sem dúvidas, é o caminho das grandes civilizações. Os avanços em ciências e tecnologias acontecem concomitantemente com o desenvolvimento da língua, linguagem e seus processos. No entanto, o que precisa ser feito para promover a Literatura é dar o acesso, a experiência primária. O que vai acontecer depois disso não é controlado, dirigido e nem deve ser uma preocupação fortemente direcionada porque só irá atrair quem estiver intimamente alinhado a ela.
Como uma pessoa que já tem acesso à literatura experimenta um livro ou autor? Recomendação! Algo que leu ou ouviu sobre tal autor e ele mesmo procura. Se ficar encantado, lê tudo. Caso contrário, vai atrás de outro. Promover a Literatura para quem já gosta é importante, mas se a pessoa já gosta de ler podemos dizer que apostar apenas nisso é como chover no molhado. E não é exatamente isso o que nossa cultura de livros faz? Falar, divulgar e valorizar livros e obras mais literárias que não atendem a um público pouco-leitor? Criar novos leitores, não apenas crianças, mas adultos que não leem, me parece ser uma tarefa mais importante. Especialmente, porque aumenta a massa de leitores, e terá certamente reflexo na educação, na profissionalização e na cidadania. Quão seria melhor que nosso processo de Educação fosse feito pela Literatura.
Motivações que tornam uma pessoa próxima dos livros
Diferentes inteligências, diferentes interesses, diferentes literaturas.
Há séculos encaixamos as pessoas nas vocações para as mais diferentes áreas, ainda contidas nas designações humanas, exatas, biológicas e suas derivações. No entanto, na Literatura ainda mantemos um conceito de valor que abarca apenas uma das mais de 15 áreas dentro das ciências humanas. Se observarmos, esse conceito de valor literário inclui efetivamente a Linguística, acrescentando, dependendo do caso, a Filosofia e a História.
Outra classificação, esta mais recente, sofre da mesma falta de reflexão. Um mesmo livro pode ser encaixado como obra de não ficção ou de autoajuda, dependendo da época em que foi escrito. Vários livros de Filosofia, são considerados Não ficção, se forem clássicos, como Sócrates, Schopenhauer (como A arte de ter razão), etc. Mas se o mesmo tema de Filosofia for escrito por um autor hoje, será considerado autoajuda. É hora de começarmos a pensar diferente. Esses conceitos estão obsoletos e não fazem nenhum sentido. Pode parecer outro assunto o que estou dizendo, mas faz muita diferença para um autor, leitor e crítico lidar com um segmento ou outro. Por um certamente há respeito, por outro, nem sempre. E o motivo é ignorância, porque são a mesma coisa.
A Educação pela Literatura
Sempre que se levantam propostas sobre priorização do trabalho para criar novos leitores algumas pessoas com larga formação se sentem pessoalmente ofendidas, como se priorizar um público fosse uma crítica pessoal à formação mais culta. Não se trata disso. A formação cultural de maior envergadura e o gosto por textos de arte não precisam de grandes defensores, elas são o topo de sua arte. Fomentar o surgimento de leitores é o caminho para fazer crescer também esse topo e, para isso, vale repensar meios, formas e conteúdo. O que proponho aqui, caro leitor, é um diálogo com suas crenças. Penso que é preciso estar disposto a ver e a aprender a todo momento, sair do lugar confortável do mundo culto em que nós nos encontramos hoje e dar o direito de outros grupos, antes sem condições até de ler, a ler o que querem. Leitura é sempre boa e nossa Educação seria muito melhor se promovida por uma leitura sem controle.