Em trânsito dentro de si mesmo – uma entrevista com F. T. Farah
Fábio Farah lança em outubro o livro “Enigmas das Estrelas” pela Geração Editorial. Confira aqui a entrevista que o autor concedeu ao blog Canto dos Livros.
Como jornalista, Fábio Farah já foi repórter de uma revista semanal, editor de turismo em portal de Internet e coordenador de redação em emissora de tevê, além de crítico gastronômico e de vinhos – e ainda está com 36 anos. Já assinando como F. T. Farah, o paulistano é autor de livros infanto-juvenis e do romance A Outra Face de Deus (já resenhado aqui no blog). Este romance é o primeiro de uma trilogia, cujo segundo volume está sendo desenvolvido e, se tudo correr conforme previsto, chegará às livrarias no segundo semestre de 2014.
Nesta entrevista, Farah fala sobre sua obra, revela o novo contrato com a editora Geração Editorial (divulgando em primeira mão que serão republicados os dois livros iniciais de sua série “Clube dos Mistérios”, com lançamento do primeiro livro já em novembro, em formato de e-book) e comenta sobre a “pesquisa de campo” para escrever a respeito do Diabo. Confira:
Canto dos Livros: Há um ano você deixou a editora Papagaio e assinou com a Geração Editorial. Por que essa troca?
F. T. Farah: Os editores da Papagaio, Denise e Sérgio Pinto de Almeida, foram os primeiros a apostar em minha carreira de escritor. Eles aprovaram a coleção Clube dos Mistérios, composta por cinco livros juvenis, e publicaram o primeiro, O Enigma das Estrelas, em 2005. O segundo, A Diversão dos Mortos, saiu três anos depois. Quando recebi a proposta da Geração Editorial para a aquisição da série, conversei com meus primeiros editores e, consensualmente, rescindimos o contrato. Uma editora maior, e com mais recursos, tem mais chances de alavancar comercialmente a coleção.
CdL: Como é a sua relação com as editoras?
F.T.F: A relação com as editoras é ótima quando elas valorizam o autor. Isso significa respeitar não apenas suas opiniões durante o processo de edição, mas também o que ocorre quando o livro chega ao mercado. E um dos pecados mais graves é não pagar os direitos autorais. Felizmente, em minha jornada, as experiências positivas superam as desilusões.
CdL: Ainda sobre a troca de editoras, na nova casa você lançará uma versão ampliada do seu primeiro livro, O enigma das estrelas. Do que trata essa ampliação? Uma simples extensão da história?
F.T.F. Se um autor disser que gosta de reler seus livros, provavelmente estará mentindo. Sempre encontrará palavras que se encaixarão melhor em uma descrição, diálogos que soarão melhor de outra maneira. Quando surgiu a oportunidade de reeditar meu primeiro livro em outra casa, resolvi revisitá-lo. Para respeitar meus primeiros leitores, não mudei o fio condutor da trama. Mas mudei palavras, aprimorei diálogos e, sobretudo, procurei construir uma narrativa mais ágil, com histórias paralelas, novos enigmas e personagens surpreendentes.
CdL: Como você aprendeu a escrever para o público infanto-juvenil? De que forma compreendeu seus interesses, desejos, anseios, para criar histórias que despertassem sua atenção?
A resposta a essa questão é simples e complexa ao mesmo tempo. Excetuando-se alguns prodígios, os autores que escrevem histórias infanto-juvenis já foram crianças e adolescentes. Os sentimentos e as percepções daquela época permanecem guardados. O primeiro passo é resgatá-los. Geralmente quando isso acontece, costumamos descartá-los como “bobagens” de uma época passada. O segredo é deixar o adulto de castigo por alguns instantes e conversar com as crianças como uma criança e com os adolescentes como um adolescente.
CdL: Qual a sua opinião sobre a Educação, atualmente, no Brasil? Como escritor de livros infanto-juvenis, qual acredita que seja o papel da literatura na formação de crianças e adolescentes?
A literatura é fundamental na educação de crianças e adolescentes. Mas não acredito que ela contribua apenas para a formação humanística. Acredito que ela desempenha um papel primordial no desenvolvimento de certas áreas cerebrais. Se elas não forem exercitadas, crianças serão prejudicadas pela vida inteira. Neste sentido, o problema da educação básica brasileira – e aqui cabe uma generalização – é não incentivar o interesse pela leitura, mas apresentá-la como algo enfadonho. E isto afasta as pessoas. O reflexo pode ser facilmente contabilizado pelo número de livros, em média, que o brasileiro lê por ano. Às vezes, a educação familiar consegue preencher esta lacuna. Mas, se os pais cresceram sem dar importância à leitura, dificilmente conseguirão criar filhos leitores. É um ciclo vicioso.
CdL: Como foi a transição de publicar livros infanto-juvenis e infantil para o romance A outra face de Deus?
Não foi propriamente uma transição. Antes de publicar histórias infantojuvenis, já tinha esboçado um romance adulto. O ponto-chave é despertar o interesse de seu público-alvo. Para as crianças, como eu disse anteriormente, é preciso dialogar de igual para igual. É preciso, por exemplo, se divertir diante de coisas que soariam banais para um adulto. As crianças se divertem quando leem o título de meu primeiro infantil, Pum de Peixe. Para os adolescentes, é preciso compreender os conflitos próprios da época, como os batimentos cardíacos após o primeiro beijo. Escrever para diferentes faixas etárias é a capacidade para transitar dentro de si mesmo.
CdL: A trama do livro A outra face de Deus parece beber de várias fontes, de literatura a quadrinhos, passando por cinema e religião. Quais foram as influências mais determinantes na obra? Quais outras influências te inspiram a escrever?
A Outra Face de Deus bebe, sim, de várias fontes. E elas não se resumem somente a outras obras literárias. Falar sobre influências determinantes nunca é fácil. No caso específico de A Outra Face de Deus, tentarei resumir. Ela sofre a influência de best-sellers contemporâneos, como Dan Brown – na forma de encadear a trama – e Stephen King – no suspense permeado por toques sobrenaturais -, além de outros que se tornaram clássicos, como sir Arthur Conan Doyle e G. K. Chesterton. Eles criaram detetives fascinantes. Mas essa história também é influenciada por obras canônicas, como A Tempestade, de Shakespeare, utilizada na trama, e O Apocalipse de São João. Também me inspiro em textos medievais, sobretudo os que revelam profecias misteriosas, além de guias de viagem. E, como afirmado, cinema. Para citar alguns filmes: O Bebê de Rosemary e O Último Portal, ambos dirigidos Polanski. E, claro, quadrinhos, música, obras de arte, manuais de ocultismo…
CdL: O livro mostra um extenso trabalho de pesquisa. Quanto tempo levou entre imaginar a história, levantar informações e dar forma final a tudo isso? Como se deu esta jornada?
A trama se desenvolve na cabeça do autor, mesmo que ele não esteja plenamente consciente disso. E o processo varia de história para história. Para compor uma ficção, a mente se apropria de lugares pelos quais passou, lugares pelos quais gostaria de ter passado, histórias reais ou imaginárias, detalhes que, em algum momento da vida, despertaram sua atenção. É um processo contínuo. No meu caso, imagino histórias o tempo inteiro, de livros infantis a romances adultos. Mas escrever uma história envolve mais do que imaginá-la. É um trabalho exaustivo que requer inúmeras pesquisas adicionais. Ao sentar para escrever A Outra Face de Deus, a linha principal da história já existia. Entre pesquisar, escrever e revisar, contabilizaria dez meses.
CdL: O personagem Diabo sempre fascinou a literatura ocidental. Muitas obras recentes tem repensado seu papel, humanizando-o. Já no seu livro, o personagem equivalente se assemelha mais ao clássico. Como se deu a construção dele?
O Diabo é um personagem bastante complexo. Não à toa fascinou escritores afamados como Dante, Goethe, Milton, Oscar Wilde, apenas para citar alguns exemplos. No entanto, embora Samyaza (o demônio em A Outra Face de Deus) se assemelhe ao personagem clássico, como definiu em sua pergunta, resolvi buscá-lo em outras fontes. Procurei o Demônio que os exorcistas encontram em possessões e que os feiticeiros costumavam invocar, utilizando antigos grimórios medievais. Procurei o anjo caído que a Igreja Católica define como um ser “real e pessoal”. E o encontrei, talvez da mesma maneira que os autores citados. Talvez algum dia escreva sobre essas experiências não-convencionais.
CdL: E dos protagonistas, o padre Pietro Amorth e o jornalista David Rowling? O que há de autobiográfico neles, especialmente no último?
Muitos leitores me fazem a mesma pergunta. E a resposta é sempre a mesma. Não construo personagens autobiográficos. Claro que há semelhanças que podem nos aproximar, mas as diferenças nos afastam bem mais. Por exemplo, David Rowling e eu somos jornalistas e apreciamos vinho. No entanto, o protagonista escolheu a carreira por vocação. Eu me tornei um jornalista acidental após desistir da faculdade de Física. O Jornalismo me aproximou dos vinhos tardiamente, quando me tornei especialista no nobre fermentado. David é um aristocrata inglês e cresceu provando os melhores rótulos que o dinheiro pode comprar. Já em relação ao padre, temos algo em comum: ambos somos católicos.
CdL: Há menção textual ao livro O Código da Vinci no livro. Acredita que sua obra pertença ao nicho alargado pelo best seller? Por quê?
Na realidade, há uma brincadeira com o nome do best-seller de Dan Brown. A repórter Mary está lendo O Enigma Michelangelo quando é surpreendida pelo seu chefe. David Rowling é um leitor de clássicos e brinca com sua subordinada sobre seu gosto literário. Como foi apontado na crítica do blog, A Outra Face de Deus tem semelhanças – e diferenças – com a obra-prima de Dan Brown. Entre as primeiras, uma página inicial com fatos verídicos transportados para a ficção, capítulos curtos com cortes em pontos-chave e, consequentemente, um ritmo veloz. Desse ponto de vista, a obra pertence ao nicho alargado pelo norte-americano.
CdL: Qual impacto da publicação do livro, passado um ano de seu lançamento? Como reagem os leitores e a crítica? De alguma maneira essas reações irão interferir nos outros livros da trilogia?
Recebo muitas mensagens de leitores, seja pela minha fanpage do Facebook, seja pelo Fale Conosco do meu site. Reservo um tempo para ler e responder a todas elas. Há os que se apaixonam pela história e cobram a continuação. Um leitor chegou a ingressar na faculdade de Jornalismo inspirado pelo protagonista de A Outra Face de Deus, David Rowling. Também há leitores críticos. Para mim, tanto suas considerações – como a de críticos profissionais – são fundamentais para a sequência de A Outra Face de Deus. O escritor deve procurar aprimorar sempre seu trabalho. E fará isso na medida em que agradar, cada vez mais, seus leitores e, claro, aumentar seu público. Mas deve fazer isso respeitando seu estilo.
CdL: Na sua opinião, a literatura de gênero deve ser analisada e avaliada dentro de seus nichos específicos ou deve ser comparada ao trabalho de autores canônicos?
Há dois níveis de análise. Em um primeiro momento, a obra deve ser avaliada dentro de seus nichos específicos e comparada com outras do mesmo gênero. Esse tipo de análise é a que mais interessa aos leitores. Se alguém é aficionado por ficção científica, por exemplo, quer saber de que maneira os títulos que chegam ao mercado se assemelham a outras obras já consagradas do gênero. Em um nível acadêmico, a literatura de gênero deve ser comparada ao trabalho de autores canônicos. Muitos estudiosos brasileiros ainda têm preconceito em relação aos romances policiais, para citar um gênero. Recentemente, a inglesa P.D. James foi entrevistada por vários veículos brasileiros. A revista Época, por exemplo, indagou: “A senhora sempre se esforçou para elevar a literatura policial. Acha que colaborou na união da arte culta com a literatura policial?”
A resposta da autora é genial: “Literatura policial, não. Literatura, por favor! Esse foi sempre meu desejo, mostrar que a narrativa de mistério deve ser valorizada como obra literária. Eu já disse uma vez que uma história de mistério de primeira classe tem de ser literatura de primeira classe…”. Ou seja, toda história de primeira classe deve ser avaliada como literatura de primeira classe, independente do gênero.
CdL: Qual a sua percepção sobre a crítica literária no Brasil em relação aos livros de temas como fantasia, mistérios, thrillers e afins?
Ainda há muito preconceito da crítica especializada brasileira em relação a esses temas. Posso dizer isso com segurança, pois já trabalhei como crítico literário (na IstoÉ Gente) e me relaciono com vários jornalistas especializados. Geralmente, as obras nacionais são ignoradas e as obras internacionais recebem destaque apenas quando se tornam best-sellers no exterior. Graças a esse “empenho” da mídia, muitos bons autores brasileiros estão fora do mercado editorial. E os que estão não recebem a merecida atenção de seus possíveis leitores.
CdL: Você estudou demonologia, ciências ocultas e percorreu vários santuários cristãos do mundo. Sendo os temas espirituais algo de seu profundo interesse, o que acha que um bom livro com essa temática (ainda que de pano de fundo) deve ter para não cair na mera doutrina e/ou pregação?
Acima de tudo, um bom autor. G.K.Chesterton foi um dos maiores escritores de seu tempo e influenciou autores como Ernest Hemingway, laureado com o Nobel. Seus romances não se assemelham a pregações. Ele era um católico devoto, mas suas ideias religiosas não amarravam sua imaginação. Quando ele queria debater sobre o tema, escrevia livros de não-ficção, como Ortodoxia. Outro exemplo: o badalado J.R.R.Tolkien. Ele reinventou a fantasia e é parâmetro para os atuais escritores do gênero. O que poucos fãs sabem é que ele frequentava a missa toda semana.
CdL: Você trabalha com jornalismo há bastante tempo. Qual a diferença de encarar uma folha em branco como repórter e como ficcionista? Qual te desafia mais e qual te agrada mais?
Acredito que o Fábio Farah jornalista foi um degrau necessário para revelar o F.T.Farah ficcionista. A experiência em uma redação, primeiro como repórter, depois como crítico e, finalmente, como editor, aprimorou a habilidade para escrever uma boa história. E editá-la. Não é raro exemplos de escritores que se formaram em redações. Alguns, revolucionaram a história da literatura. Talvez um dos mais notáveis – e um dos que mais aprecio – seja o norte-americano Ernest Hemingway. Seu estilo foi forjado em uma redação. Pessoalmente, me sinto mais desafiado a criar histórias do que a reportar a realidade. Por isso, me agrada mais o ofício de ficcionista.
CdL: Tendo trabalhado na revista de celebridades IstoÉ Gente, você entrevistou muita gente famosa. Se pudesse escolher um(ns) personagem(ns) de ficção para entrevistar, qual(is) seria(m)? Por quê? Qual(is) pergunta(s) faria?
Gostaria de entrevistar vários personagens. Mas colocaria dois nos primeiros lugares. Talvez propusesse a eles uma entrevista simultânea: Dorian Gray e Fausto. A pergunta principal: “Se tivessem a chance de reeditar o contrato com o ‘tinhoso’, qual cláusula acrescentariam?”.
Fonte: Canto dos livros