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Testemunha, por Pedro Tierra
17.00 horas
Meus olhos não anoitecem e sei:
não era este o corpo que usavas
para caminhar entre os homens.
Tua carne é apenas tua dor.
19.30 horas
Com os dedos da memória
vigio:
a cabeça cortada em pedaços
de negro e relâmpago
pelas agulhas dos dínamos.
Os dentes cariados do algoz
trituram o grito dos teus ossos.
23.00 horas
Durante séculos enterrados
meus olhos não se fecharam.
Um gosto de vidros estilhaçados
risca a garganta e a alma.
Sinto, na sombra, o brilho dos punhais
a percorrer o corpo,
devastado território
de madeiras em fúria.
03.00 horas
Como um cego de olhos eternos,
a quem as facas do Tempo
arrancaram o véu das pálpebras
vigio:
pasto de tempestades,
tua carne extingue
a brasa dos cigarros
num lago de sangue
e cinzas…
05.45 horas
A garganta dos corredores
devora tua vida:
fardo de sobressaltos.
Meu peito não se cerrou.
Sobrevivente,
aqui te recebo:
bagaço devolvido
pelas oficinas da morte.
Sinto crescer o coração no peito,
fogueira ardendo em madeira antiga,
poema indeciso a desatar-se
da alma inconsútil do teu silêncio.
*** Poema extraído do livro “A palavra contra o muro“.
Retrospectiva, por Flora Figueiredo
Hoje é aniversário da poetisa Flora Figueiredo, autora do livro Chão de Vento. Para a ocasião, selecionamos um de seus poemas. Confira:
RETROSPECTIVA
Porque a vida é feita de proibições,
eu não compus todas as canções,
não percebi a brisa suspirar,
eu esqueci cantigas de ninar,
dei chances demais à voz dos credos,
não rompi de vez todos os medos,
roubei do tempo um tanto de carinho,
não vi a flor amar o passarinho,
perdi o trem na curva da vertente
e não deixei o mel melar completamente.
Porque a vida é feita de proibições,
larguei o fio, soltaram-se os balões,
deixei que o pião revirasse sozinho,
mandei que o zangão se zangasse baixinho,
desprezei a bruma que baixou o véu,
permiti à palavra dormir no papel,
evitei o desvio que atravessa a estrada,
não quis o desafio da ronda embriagada,
não li o poema do poeta maldito
e não tive o dilema do beijo infinito.
Porque ainda há tempo para o encantamento,
quebre-se o vidro do sermão absoluto,
rompa-se a teia, reveja-se o estatuto,
que a primavera quer amar o chão de vento.
Lançamento do livro “A palavra contra o muro” em Brasília
Confira uma das poesias que compõe a obra “A palavra contra o muro”, de Pedro Tierra, pseudônimo poético de Hamilton Pereira da Silva.
»ROSA«
Andaremos sem roteiros
por uma cidade armada.
Se as mãos se tocarem
não fujas, enlaçados
não guardem teus dedos,
ao fim da tarde,
apenas o frio
ferro das granadas.
Se vier o cansaço
não resistas, repousa
no meu ombro
a cabeça fatigada,
e o gesto de carinho
banhe teus olhos
na fugitiva luz
de meteoros no mar.
Mas se a fadiga trouxer
consigo alguma dúvida,
abre teus olhos infinitos
e repara em volta
a cidade ferida.
Ouve na sombra
o surdo labor da semente
largada no chão da rua.
Chega na boca do povo
um silêncio de planta
absorta, a desatar sua flor,
enfim, liberta…