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Lógica e graça, por Domingos Pellegrini
Por Domingos Pellegrini
Se pescaria tivesse lógica, não tinha graça. Inventei esse ditado, falei a vários pescadores, e cada vez mais me convenço disso.
Fui a um pesqueiro, levando acerolas, que disseram ser ótima isca para pacu. Peguei dez pacus.
Dei pacus para a primeira sogra, para a segunda sogra, para a vizinha onde catei acerolas. Tempo depois, fui confiante a outro pesqueiro, com lindas acerolas, e… nem beliscão!
Um pescador me falou que é assim mesmo, peixe tem dia, depende do vento, do clima, do sol e das nuvens, da lua, vai saber. Outro pescador disse que pode ser devido à origem:
— A acerola funcionou noutro pesqueiro, com peixes criados com frutas. Aqui, criados com ração, só gostam de massa, salsicha, minhoca — e, para provar, ele pescou mais um pacu com minhoca.
Troquei de isca, mas os pacus continuaram sem beliscar.
Depois voltei ao primeiro pesqueiro, novamente com acerolas e… nada. Lá pelas tantas, botei massa no anzol e pesquei três pacus.
Depois voltei ao segundo pesqueiro, o pesqueiro carnívoro, com salsicha, minhoca e bacon, e nem beliscaram, enquanto outro pescador pegou vários pacus com tomatinhos e acerolas.
Conversei com ele, que me falou olha, é o seguinte:
— Se pescaria tivesse lógica, não tinha graça.
Pensei em dizer que a frase é de minha autoria, mas deixei pra lá. Apenas me prometi pescar com qualquer isca, deixando a cargo dos peixes morder ou não.
Na próxima pescaria, porém, por via das dúvidas e já por gosto de pesquisa, levei acerola, salsicha, bacon, quiabo, tomatinho, laranjinha, queijo, pão de queijo e bala de banana, porque alguém tinha me falado que era isca boa para pacu.
Peguei quatro pacus mas, como usei duas varas com três anzóis cada uma, variando as iscas, e como também tomei três latinhas por vara, não consegui saber que iscas funcionaram, até porque dois dos pacus vieram quase ao mesmo tempo, um em cada vara, e foi uma correria de inspirar
Charlie Chaplin.
Depois um menino chegou-se curioso, olhou as tantas iscas e perguntou:
— O senhor come tudo isso?
Respondi que eu não, apenas esperava que os peixes comessem, e ele fez cara de nojo olhando os quiabos:
— Credo, tem de ser um peixe muito besta pra comer isso.
Ofereci bala de banana, ele pegou uma, depois pediu outra, mais outra, falei que podia pegar todas, e ele, responsável:
— Todas, não! E se eles começam a gostar das balas? No mesmo instante, uma vara puxou forte e, quando tirei o pacu, estava fisgado
com bala de banana ainda na boca.
— Não falei? — o menino sorriu, depois ficou sério: — Mas eu só deixei mais duas balas aí…
Falei tudo bem, viriam mais dois pacus e eu daria um a ele. Mas as duas balas passaram o resto da tarde tomando banho e só mais dois pacus fisgaram… um numa acerola, outro numa minhoca.
Pescaria é assim, falei, se tivesse lógica… não tinha graça, o menino emendou, dizendo que o pai dele sempre fala isso.
*** Extraído do livro “A Caneta e o anzol”.
Conto “Tatuagem” de Domingos Pellegrini
TATUAGEM
Eu pescava tranquilo até que os dois vieram se botar bem do meu lado, falando alto depois que botaram as linhadas na água.
— Cara, não podemos pescar mais que cinco quilos, hem, senão o dinheiro não vai dar.
— Quatro quilos, porque a gente vai tomar umas cocas, né.
Assim combinados, ficaram botando e tirando os anzóis da água tão depressa que os pobres peixes, se quiseram beliscar, ficaram só na vontade.
Até que esqueceram das varas, apoiadas em forquilhas, e um deles falou olhando o braço: — Tô a fim de tatuar aqui, cara, mas não sei o quê.
— Uma cobra.
— Por que uma cobra?
— Porque toda gata vai perguntar por que a cobra. Aí você joga aquele lero e ganha a gata.
O outro ficou pensando, sem ver que a boia da sua vara afundava.
— Cobra, cara, já infernizou Adão e Eva, né, e mulher tem medo de cobra, qualé?
— Então vou tatuar um sol, mulher gosta de tomar sol que nem peixe gosta de água.
Aí viram as pontas das varas bicando a água, de tão curvadas, e puxaram com tanta força que conseguiram, os dois, arrebentar as linhas ao mesmo tempo. Ficaram se lamentando, depois foram trocar as varas, voltaram falando da tatuagem.
— Sol é dez, cara, mas lua não será mais romântico?
— Aí vai agradar as gatas, mas a moçada vai pensar que você é gay…
Lançaram os anzóis.
— E uma flor, hem, com forma de sol mas cara de flor!? Aí explico: é que eu sou quente como o sol, gata, mas carinhoso como uma flor.
— E flor é carinhosa, cara? Flor é bonita, é cheirosa e só.
— Uma gata me falou que dar flor é mostrar carinho.
— Dar flor, né, não tatuar flor! Os caras vão te chamar de florzinha.
As boias de novo começaram a pinotear, eles nem viram.
— Precisa ser coisa que a gata olhe e arregale os olhos, cara, dizendo que lindo, por que você tatuou isso?
— Já sei! Que tal uma lua chorando umas lágrimas que viram estrelas?
— Cê tá brincando? Parece coisa de corno ou de bichinha louca! Tem de ser uma coisa que… não sei.
— Pois é.
Enquanto isso, as varas pararam de beliscar, decerto as iscas já comidas. Mas eles continuaram discutindo a tatuagem, até que recolheram as linhas.
— Vamos tomar aquelas cocas, cara, não dá peixe não.
E foram, discutindo a tatuagem porque, como disse um e o outro concordou, “se vai fazer, tem de fazer bem feito”…
Confira esse e outros contos no livro “A caneta e o anzol“, de Domingos Pellegrini.