Entrevista com Daniela Arbex, autora de “Cova 312”.
O que essa história traz de novo de um tema que já foi contato inúmeras vezes?
É uma história contada de uma forma diferente, porque não tem a pretensão de detalhar a ditadura e sim como cada personagem resistiu a ela. Além disso, o livro descreve todo o processo de investigação jornalística da descoberta da Cova 312 e a reviravolta dessa investigação.
O que levou a escrever sobre um guerrilheiro desconhecido?
Exatamente o fato de Milton Soares de Castro ser o único civil da guerrilha do Caparaó e também o único encontrado morto na Penitenciária de Linhares, em Mina Gerais, um dos presídios políticos mais importantes do país. Cova 312 é a história de Milton e também de muitos militantes que ficaram presos em Linhares. Revela a rotina de uma cadeia desconhecida para os brasileiros.
Cova 312 também nasceu de uma reportagem premiada em 2002 (a autora ganhou os prêmios Esso, Vladimir Herzog e o europeu Natali Prize), 13 anos se passaram, o que te manteve tanto tempo nesta história?
O fato de eu nunca me desligar das histórias que conto. Essa, em especial, ainda tinha peças desencaixadas. Sempre quis tentar reconstituir os últimos passos de Milton e encontrar provas que revelassem a farsa do seu suicídio. Só agora, eu consegui.
Milton Soares de Castro é uma das centenas de vítimas que o governo brasileiro ainda não revelou, como foi o trabalho de investigação para chegar nesta conclusão bombástica?
Foi um percurso que durou doze anos e que me levou aos porões da história. Tive que percorrer vários estados do país em busca das peças perdidas desse quebra cabeças. Realizei mais de cinquenta entrevistas. Localizei milhares de documentos e fiz o caminho de volta até o coração da família de Milton no Rio Grande do Sul. Uma longa jornada.
Por que o livro foi dividido em três partes?
Porque a primeira é de apresentação do personagem principal dessa história. A segunda é a anatomia da Penitenciária de Linhares onde ele e outros centenas de militantes políticos do país ficaram presos. E a terceira é todo o caminho que fiz para investigar a morte do guerrilheiro do Caparaó.
O tema é duro, pesado, trágico, mas tanto o editor Luiz Fernando Emediato , como o jornalista e escritor Laurentino Gomes, que assina o prefácio, dizem que você conseguiu transformar sem perder o foco, e a narrativa jornalística para um tanto poética em algumas situações, qual o segredo?
Se houvesse um, eu jamais revelaria. (rs) Acho que a força das histórias que conto está na humanização dos personagens. Procuro revelar cada um dentro de suas complexidades. Nenhum deles é só bom ou mal. É múltiplo, como todo ser humano.
Você é conhecida por emocionar os seus leitores, como você faz para não se envolver nas histórias? Ou isso não acontece?
Isso não acontece. Me apaixono pelas histórias que conto e também pelas pessoas. Essas pessoas não passam simplesmente pela minha vida. Elas ficam.
Quanto tempo você levou para apurar esse livro?
Mais de um ano de viagens por quatro estados do país. Uma maratona.
Como foi o processo de levantamento de dados?
Minucioso. No começo, tinha várias peças desencaixadas e sabia que precisava encontrar uma a uma para tentar me aproximar da verdade dos fatos.
O presídio de Linhares, foi a detenção que funcionou pelo maior tempo durante a ditadura militar e abrigou um número altíssimo de presos políticos, como foi entrar neste lugar que nenhum jornalista havia entrado nos últimos cinquenta anos?
Emocionante. Quando pisei na Galeria A, eu tive a certeza de que a história que eu ia contar seria surpreendente.
As histórias se entrelaçam em Cova 312, podemos dizer que não é um livro apenas de um personagem?
É um livro que tem como personagem principal Milton Soares de Castro, mas também alguns de seus companheiros da guerrilha e militantes conhecidos da história recente do Brasil, além de ilustres anônimos. É um livro de gente, que fala sobre dores, amores, abandonos, ideais. Até onde um ser humano pode ir por um ideal? Eu tento responder isso.
Foi difícil construir essa narrativa?
Foi difícil mergulhar nela. Escrever é uma viagem muito solitária e dolorosa, mas que nos permite revisitar a história e isso é o mais fascinante.
A determinação é uma das suas principais características, mas a sorte é um elemento muito presente, podemos dizer que não existe sorte sem determinação?
Detesto a palavra sorte, porque ela tira o mérito das pessoas. Não existe acasos na vida. Sem suor e muita sola de sapato, não há sorte neste mundo capaz de ajudar alguém a fazer um bom trabalho.
Qual a diferença desse lançamento para o Holocausto Brasileiro?
Os dois livros têm muito em comum, porque falam de abusos cometidos em nome do estado e da tentativa de desumanizar indivíduos. Ambas são histórias trágicas, mas ainda bem desconhecidas da sociedade, apesar de a ditadura ser considerada tema recorrente.
O livro-reportagem é a saída para os jornalistas que querem contar as suas histórias como mais detalhes?
O livro-reportagem é uma grande instrumento para apresentar o Brasil aos brasileiros.
Nas últimas manifestações, tanto a de março, como a de abril de 2015 um número até considerável de pessoas pediam uma intervenção militar, como você enxergou isso?
Puro desconhecimento do que foi o Brasil durante os anos de chumbo. A Cova 312 vai ajudar as novas gerações a entender esse Brasil de tanta sombra.
As Comissões das Verdades têm muito o que explicar para o povo brasileiro dos crimes realizados pelos representantes do Estado na época (1964 a 1985) , você acredita que eles estão no caminho certo?
Acho que sim. Há um esforço das comissões de localizar documentos, ouvir relatos que ajudem a resgatar a memória das vítimas do período. O trabalho delas é muito importante, mas a busca por respostas deve ser permanente.