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Oficina de jornalismo com Humberto Trezzi (12/04)
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Entrevista com Kim Young-ha
Confira a entrevista exclusiva com Kim Young-ha, autor do livro Flor Negra.
1. Como você se tornou escritor?
Foi algo parecido com o que aconteceu na parte introdutória de A Metamorfose, de Franz Kafka. É bem comum que os escritores mencionem algum momento especial ao ouvirem esse tipo de pergunta, mas no meu caso foi algo simples: “numa certa manhã, acordei e descobri que virei escritor”. Comecei a escrever, porque repudiava a vida comum e, assim, virei escritor sem me dar conta.
2. Quais autores você costuma ler? Poderia mencionar alguns que influenciaram seu trabalho?
Fui bastante influenciado por escritores coreanos clássicos, além de Milan Kundera, Franz Kafka e os latino-americanos pós-60, como Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa. Gosto também de Oscar Wilde e Yukio Mishima.
3. Por que decidiu contar a história da imigração coreana para o México. Você estava pesquisando sobre o assunto?
Um amigo meu é diretor de cinema, e ao voltar para a Coreia de uma viagem a Los Ângeles ele teve a chance de conversar com um pesquisador de história da imigração que estava sentado ao seu lado. Ele lhe contou uma história interessante que aconteceu em 1905: naquele ano, mil coreanos embarcaram na Coreia rumo ao México em busca de uma nova vida. Ao chegarem à fazenda de Henequen, acabaram no fogo cruzado da violenta Revolução Mexicana e alguns deles chegaram a fundar um país chamado ShinDaeHan, na região norte da Guatemala. Na primeira vez que meu amigo me contou essa história interessante eu mal podia acreditar, mas mesmo assim continuei pesquisando e encontrei um artigo em um jornal de San Francisco, publicado em 1916, relatando o acontecimento na Guatemala. Foi assim que comecei a ter interesse por esta história.
4. Poderia nos contar como você criou os personagens?
Alguns personagens de Flor Negra tomei emprestado de outros documentos que tinha pesquisado, como os ex-membros da realeza da dinastia Chosun, eunucos e soldados licenciados. Mas nesses documentos estavam relatados somente seu nome e profissão; assim, foi necessário que eu recriasse todos os outros detalhes além daqueles que estavam descritos. Ao criar os personagens do romance, antes de mais nada, procuro olhar para o meu interior. Em seguida, destaco uma parte da minha figura e crio um personagem novo a partir disso.
5. Quanto tempo levou para escrever Flor Negra? Como foi o processo de pesquisa e escrita?
Levei uns dois anos conceituando, pesquisando e viajando ao México e Guatemala. Depois de ouvir aquela história do meu amigo diretor, visitei a península de Iucatã, no México; e Tikal, na Guatemala, para pesquisar e coletar os dados. Escrevi a introdução do romance em Antígua, Guatemala, e voltei para a Coreia para escrever o resto da história.
6. Você esteve no México, certo? Qual foi sua impressão do lugar?
O México era um lugar parecido com um estrato geológico, onde estão sedimentadas as civilizações. Sobre os vestígios da civilização maia, as violências cometidas durante o período colonial e a transição para um país moderno estavam estratificados. O que era impressionante na península de Iucatã foi que não pude ver nenhum rio ou montanha grande. Já mencionei no meu trabalho que é impossível para os coreanos imaginar uma terra sem rio ou montanha. Assim, somente depois que cheguei a Iucatã pude entender aquele sentimento desolador e perdido que os coreanos de 1905 devem ter sentido.
7. Como Flor Negra foi recebido na Coreia? Estava esperando o sucesso que o livro fez no mundo?
Este livro causou um grande efeito assim que foi publicado. Foi premiado por várias mídias como o “livro do ano”, e no ano seguinte recebeu o prestigiado Prêmio de Literatura Dong-in. A primeira razão é que o livro era diferente dos romances históricos publicados na Coreia até então. Foi natural a influência do realismo mágico, já que tratava o que aconteceu na América Latina. Parece que foi inédita também a estrutura tipo mosaico, sem um personagem principal ou herói/heroína. Pensei que a história fosse sobre as pessoas que desapareceram sem deixar nenhum vestígio, portanto era importante refletir sobre o tal aspecto na estrutura do livro. Acho que isso foi a originalidade que causou o interesse dos leitores coreanos. Depois, o livro foi publicado também na China, França, Alemanha e Estados unidos.
8. Depois que assisti à sua fala no TED, chamada “Seja um artista agora mesmo!, comecei a refletir sobre o processo para tornar-se um artista. Já que você é um artista em tempo integral e vive de sua arte, não acha que é um risco cair no compromisso com o mercado e perder a espontaneidade da arte feita pelas crianças, como você descreveu? Quais são as suas múltiplas identidades?
Passo a maior parte do tempo lendo e escrevendo. Mas no meu tempo livre procuro fazer algo não relacionado ao meu trabalho, para que meu cérebro possa descansar. Por exemplo, tiro fotos, desenho ou cozinho. Mas não ganho dinheiro com isso. Aqui está o ponto mais importante. É importante reservar tempo para algo que não dá dinheiro, mas que seja prazeroso. Assim, posso continuar escrevendo por mais tempo possível. Recentemente, comecei a aprender a fazer pão e biscoito. Faço pão para mim mesmo e presenteio os amigos com biscoitos. Este tipo de trabalho dá alegria e descanso especial, totalmente diferente do que pode dar o ato de escrever, em que devo concentrar um esforço profissional diante dos olhos dos leitores.
9. Pode nos contar sobre os projetos recentes? Em que tem trabalhado?
Publiquei um romance curto chamado A Murderer’s Guide to Memorization (Salinja-ui gieokbeop) no ano passado. A história é sobre um assassino com mal de Alzheimer, que decide cometer seu último crime para salvar sua filha. Depois de publicar esse livro, estou descansando e pensando na próxima história. Ultimamente o tema que tem chamado minha atenção é o assassinato. Continuo pensando sobre o porquê de um homem matar outro homem.
10. Você conhece algum autor brasileiro? Que autor coreano o Brasil deveria conhecer e ainda não conhece?
O primeiro escritor brasileiro que vem à minha mente é José Mauro de Vasconcelos e sua obra Meu Pé de Laranja Lima. Lamento que a maioria das obras literárias modernas do Brasil, fora as obras de Paulo Coelho, não tenham sido traduzidas para o coreano. Recentemente li Budapeste, de Chico Buarque, e achei interessante. Há vários escritores coreanos bons, mas gostaria de recomendar o livro Samguk Yusa (Memorabilia of the Three Kingdom). Trata-se de uma coletânea das lendas da época quando a Coreia era dividida em três reinos, cerca de 1.500 anos atrás, cheia de histórias diferentes e fantasiosas, difíceis de encontrar em qualquer outro país do mundo.
11. Já esteve no Brasil? Tem algum interesse na nossa cultura? Gostaria de conhecer algum lugar específico?
Nunca visitei o Brasil, mas sempre quis conhecer o país, já que sou um grande fã do café e da música brasileira. Se der tempo, além de grandes metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo, eu gostaria de visitar as fazendas cafeeiras do Brasil.
12. Recentemente a presidente Park Geun-hye anunciou uma comissão para estudar a reunificação com a Coreia do Norte. Você se importaria de partilhar impressões sobre esse debate acerca da reunificação da península coreana?
A reunificação entre as duas Coreias, as quais têm mantido uma relação tensa por muito tempo, será um grande benefício para a estabilização política não somente coreana, mas sim para todos os países ao redor. Mas uma reunificação inesperada, por sua vez, pode causar um choque e preocupação para todos. Desta forma, acredito que seja necessário um processo para alimentar a confiança de ambos, convivendo entre si e aliviando a tensão hostil que existe entre os dois países.
Testemunha, por Pedro Tierra
17.00 horas
Meus olhos não anoitecem e sei:
não era este o corpo que usavas
para caminhar entre os homens.
Tua carne é apenas tua dor.
19.30 horas
Com os dedos da memória
vigio:
a cabeça cortada em pedaços
de negro e relâmpago
pelas agulhas dos dínamos.
Os dentes cariados do algoz
trituram o grito dos teus ossos.
23.00 horas
Durante séculos enterrados
meus olhos não se fecharam.
Um gosto de vidros estilhaçados
risca a garganta e a alma.
Sinto, na sombra, o brilho dos punhais
a percorrer o corpo,
devastado território
de madeiras em fúria.
03.00 horas
Como um cego de olhos eternos,
a quem as facas do Tempo
arrancaram o véu das pálpebras
vigio:
pasto de tempestades,
tua carne extingue
a brasa dos cigarros
num lago de sangue
e cinzas…
05.45 horas
A garganta dos corredores
devora tua vida:
fardo de sobressaltos.
Meu peito não se cerrou.
Sobrevivente,
aqui te recebo:
bagaço devolvido
pelas oficinas da morte.
Sinto crescer o coração no peito,
fogueira ardendo em madeira antiga,
poema indeciso a desatar-se
da alma inconsútil do teu silêncio.
*** Poema extraído do livro “A palavra contra o muro“.