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Aprendiz de imperador
Por Priscila da Costa Pinheiro e Sérgio Augusto Vicente
Exercícios de caligrafia do jovem Pedro II eram carregados de ensinamentos morais, religiosos e políticos.
O segundo imperador do Brasil acabara de completar 7 anos de idade, e lá fora o clima de instabilidade política se espalhava. Em debate, disputas de poder e diferentes projetos de nação. Caramurus restauradores, liberais exaltados e liberais moderados lutavam pelo controle da Regência. Enquanto isso, em sua rotina no Paço de São Cristóvão, Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga – ou apenas Pedro II – terminava mais uma de suas lições de caligrafia. Sob a orientação do mestre Luís Aleixo Boulanger, copiara a seguinte lição: “A necessidade de Religião e Instrução para a estabilidade dos Impérios, riqueza e glória dos Imperantes, é especialmente consignada na Sagrada Escritura”.
Quem se depara com os manuscritos produzidos pelo imperador do Brasil nos primeiros anos de vida, na primeira metade do século XIX, surpreende-se com a beleza e a sofisticação de sua letra. Mas não só: também chama a atenção o teor moral dos ditados que ele repetia copiosamente.
Tamanha destreza com a pena não se manifestou de forma natural, espontânea. Pelo contrário, sua caligrafia revela os reflexos da obstinada disciplina e da pesada rotina de estudos de um garoto que se preparava para assumir as rédeas de uma nação quase tão jovem quanto ele, e tão repleta de percalços. E as mensagens transmitidas naquele exercício diário eram bastante sisudas para uma criança que começara a ler há apenas dois anos. Logo no primeiro momento, salta aos olhos do leitor o destaque atribuído à religião e à instrução cristã no grande desafio de se construir uma nação estável e gloriosa. O conteúdo não poderia ser mais apropriado para a situação em que o “menino imperador” e o país se encontravam.
O sétimo filho de D. Pedro I e de D. Leopoldina foi reconhecido como herdeiro do trono em meados de 1826. Isso porque, dos seis filhos anteriores do casal imperial, apenas as quatro meninas sobreviveram. Poucos dias após completar seu primeiro ano de vida, o pequeno príncipe perde a mãe, que já se encontrava doente. No dia 7 de abril de 1831, em meio à intensa agitação política, D. Pedro I abdica do trono em favor do filho, e retorna a Portugal. Pedro II, então com 5 anos de idade, permanece no Brasil com as irmãs Januária, Paula e Francisca. Brasileiro por nascimento, o menino passa a ser visto como o genuíno representante da nação.
Não foram poucas as responsabilidades que caíram em seu colo. As elites políticas do país depositavam nele as esperanças de consolidação do Estado brasileiro, de manutenção do regime monárquico e da unidade territorial. Conhecido como “órfão da nação”, o menino viveu cercado por adultos responsáveis por lhe fornecerem uma educação rígida e austera. O objetivo era formar um monarca ilustre, amante da moral, das letras e da ciência, que se posicionasse acima das paixões.
A preocupação tinha raízes num passado recente: era preciso que o novo chefe nacional não carregasse a menor semelhança com a personalidade do pai. A imagem do progenitor, afinal, ficara marcada pelos escândalos causados por comportamentos pouco afeitos à moral e aos bons costumes da época, como as explícitas traições cometidas contra a esposa, D. Leopoldina. Tutores e mestres pretendiam influenciar na formação do caráter de Pedro II e transformá-lo em um chefe de Estado perfeito: um monarca humano, honesto, constitucional e tolerante.
O conteúdo de suas lições de caligrafia traduzia essas intenções. Em 1833, o pequeno imperador escrevia: “Beneficência/ Bom é que sustentes o justo; mas também não retires a mão daquele que o não é porque o que teme a Deus nada despreza”. A lógica da moralidade religiosa se faz presente mais uma vez: a tendência para fazer o bem aparece como uma importante virtude do homem cristão.
Não se pode menosprezar a influência sobre o imperador de alguns dos personagens envolvidos no processo de sua formação inicial. José Bonifácio de Andrada e Silva, seu primeiro tutor, foi nomeado para o cargo por D. Pedro I, um dia antes da abdicação. Ao assumir a função, o “Patriarca da Independência” manteve os professores que já eram encarregados da educação do pequeno monarca e designou frei Antônio de Arrábida como diretor de seus estudos. Com a destituição de Bonifácio, em dezembro de 1833, a Regência nomeou o futuro marquês de Itanhaém como o segundo tutor. Frei Pedro de Santa Mariana foi escolhido, então, para dar continuidade à gestão dos estudos de Pedro II.
Supõe-se que ele tenha exercido influência intelectual e moral sobre o garoto por meio das atividades e das oportunidades do dia a dia. O mesmo ocorreu com D. Mariana. Aia do imperador até sua maioridade, ela foi uma espécie de segunda mãe do menino. Carinhosamente chamada de Dadama, compôs em 1830, quando o pequeno Pedro ainda começava a se aventurar no universo da leitura, uma Introdução do pequeno catecismo histórico a S. A. I. D. Pedro de Alcântara.
Moral e religiosidade, como se vê, eram temas recorrentes naqueles exercícios de caligrafia. Em 9 de junho de 1835, o chefe da nação copiava em francês: “A religião cristã é o mais belo sistema de moral e de felicidade. Ela enriquece a alma de todas as virtudes, ela a amplia, ela a faz amar tanto quanto é possível amar, e fornece essa paz doce, profunda, inalterável; essa paz que o mundo não pode nem dar, nem tirar, que nem mesmo conhece; enfim, essa paz que nos torna amigos dos outros e de nós mesmos”. As virtudes cristãs e sua importância na construção de uma cultura pacífica entre os homens foram princípios que nortearam o caráter de D. Pedro II.
O material produzido para a formação do jovem era vasto. Em 1838, o marquês de Itanhaém elaborou as Instruções para serem observadas pelos Mestres do Imperador na Educação Literária e Moral do Mesmo Augusto Senhor. No artigo 4, o tutor esclarece que “deverão os Mestres se desvelar para mostrarem ao Imperador palpavelmente o acordo e harmonia da Religião com a Política, e de ambas com todas as ciências”. As lições de caligrafia apontam para o cumprimento dessa instrução, pois além das lições morais, os preceitos da política também tinham seu espaço garantido nos exercícios. O futuro do Império do Brasil havia sido depositado na educação de D. Pedro II. Ela abarcava princípios iluministas, humanistas e moralistas. A consolidação do Estado brasileiro e a preservação do único regime monárquico das Américas demandavam aquilo que se acreditava ser um monarca bom, sábio e justo. Nas tarefas, o pequeno Pedro copiava repetidas vezes: “Nada é mais gratificante do que o prazer de fazer o bem”. Ou ainda: “A sabedoria é mais estimável que as forças; e o homem prudente vale mais que o valoroso”. E em 5 de julho de 1836 escrevia em francês: “Quanto mais se é poderoso, rico, feliz, bem-nascido, mais devemos estar a praticar a justiça, se quisermos passar por um homem de bem”.
Em meio aos dilemas familiares e nacionais, é possível que a dedicação aos estudos tivesse deixado de ser apenas uma árdua obrigação para se tornar um costume. Ou, ainda, uma espécie de refúgio dos problemas que atormentavam aquela jovem liderança nacional. Num de seus exercícios caligráficos, Pedro II se punha a escrever repetidas vezes uma frase provavelmente oriunda do pensamento aristotélico: “A felicidade é um hábito”. Antes mesmo de refletir filosoficamente sobre o conceito de felicidade, o imperador do Brasil já parecia condicionado a entendê-la como algo que não se adquire pelo simples fato de almejá-la. Mas que, assim como o aprimoramento da caligrafia, é construída pela dedicação, persistência e repetição.
Diferentes inteligências, diferentes literaturas & a cultura da erudição
Por Pedro Almeida
Nesse momento se acendeu uma luz vermelha imaginária na sala. Era para mim como se todos estivessem imóveis e eu assistindo a uma cena da inquisição. Foram segundos, mas lembrei naquela hora as repetidas vezes em que ouvi a mesma questão, sob a crença de que há um percurso necessário para se fazer com a Literatura, de que há um tipo de evolução, de que ler livros cada vez mais complexos é um ótimo caminho. Não é! E vou mostrar porquê.
Duas situações podem exemplificar bem isso. A primeira delas recebi dias atrás, num vídeo que vale muito a pena assistir e tomou o lugar hoje do filme que costumo comentar. Acontecia um importante Congresso de Ciência nos EUA, com a presença de grandes nomes. O principal deles, Neil DeGrasse, um cientista negro, que responde a seguinte pergunta feita com cinismo: Por quê há tão poucas mulheres na ciência? Assista.
Agora saiba que quem fez a pergunta foi Larry Summers, ex-Presidente da Harvard University e Secretário do tesouro no Governo Clinton (e também do Obama). Me diga agora se toda a cultura, todos os livros que essa pessoa leu serviu para alguma coisa? A pergunta de Larry, que presidiu uma das mais importantes universidades do mundo, representa um argumento simplista numa defesa que apenas reforça a sua classe: a de homem, branco e de elite. Poderia dizer que, provavelmente, seu pensamento é racista, misógino e deve acreditar na supremacia de um grupo sobre o outro, como algum tipo de seleção da natureza, sem levar em conta outros aspectos sociais. Mas tipos como esse, em que a larga cultura não cria um pensamento abrangente, há muitos.
A segunda situação foi aqui mesmo no Brasil. Recentemente, um filósofo muito conhecido, que figura nas listas de mais vendidos soltou a frase: “ Sempre achei que mulheres feias deveriam ser proibidas pela saúde pública!” Quando li, fui atrás da informação para ver se não era falsa, se não era algum tipo de trolagem. Mas não era. Foi feita de modo jocoso, e seu autor teve a coragem de defendê-la. Não tenho dúvidas de que este senhor é muito culto. Leu os grandes clássicos, mas me parece preso a um tipo de conceituação de relações sociais bem equivocada ou desigual. Sempre que ouço barbaridades assim me pergunto: De que adianta tanta cultura se não faz bom uso? Uma pessoa simples teria muito mais respeito pelos outros.
Vejam que estamos lidando com o “topo do topo” da pirâmide cultural. Imagine o meio.
Exemplos assim existem aos montes. As pessoas, todas, exercem suas opiniões com base em sua fonte de informação, interesse, experiência. E raramente se abrem para ouvir uma opinião que contradiga a sua. Sair de seu próprio meio cultural, estudar o outro lado, me parece um exercício inteligente que todos deveriam experimentar e cabe em qualquer situação.
Há, claro, muita gente culturalmente ignorante, perversa e corrupta pelo mundo. A educação, a formação cultural, sem dúvidas, é o caminho das grandes civilizações. Os avanços em ciências e tecnologias acontecem concomitantemente com o desenvolvimento da língua, linguagem e seus processos. No entanto, o que precisa ser feito para promover a Literatura é dar o acesso, a experiência primária. O que vai acontecer depois disso não é controlado, dirigido e nem deve ser uma preocupação fortemente direcionada porque só irá atrair quem estiver intimamente alinhado a ela.
Como uma pessoa que já tem acesso à literatura experimenta um livro ou autor? Recomendação! Algo que leu ou ouviu sobre tal autor e ele mesmo procura. Se ficar encantado, lê tudo. Caso contrário, vai atrás de outro. Promover a Literatura para quem já gosta é importante, mas se a pessoa já gosta de ler podemos dizer que apostar apenas nisso é como chover no molhado. E não é exatamente isso o que nossa cultura de livros faz? Falar, divulgar e valorizar livros e obras mais literárias que não atendem a um público pouco-leitor? Criar novos leitores, não apenas crianças, mas adultos que não leem, me parece ser uma tarefa mais importante. Especialmente, porque aumenta a massa de leitores, e terá certamente reflexo na educação, na profissionalização e na cidadania. Quão seria melhor que nosso processo de Educação fosse feito pela Literatura.
Motivações que tornam uma pessoa próxima dos livros
Diferentes inteligências, diferentes interesses, diferentes literaturas.
Há séculos encaixamos as pessoas nas vocações para as mais diferentes áreas, ainda contidas nas designações humanas, exatas, biológicas e suas derivações. No entanto, na Literatura ainda mantemos um conceito de valor que abarca apenas uma das mais de 15 áreas dentro das ciências humanas. Se observarmos, esse conceito de valor literário inclui efetivamente a Linguística, acrescentando, dependendo do caso, a Filosofia e a História.
Outra classificação, esta mais recente, sofre da mesma falta de reflexão. Um mesmo livro pode ser encaixado como obra de não ficção ou de autoajuda, dependendo da época em que foi escrito. Vários livros de Filosofia, são considerados Não ficção, se forem clássicos, como Sócrates, Schopenhauer (como A arte de ter razão), etc. Mas se o mesmo tema de Filosofia for escrito por um autor hoje, será considerado autoajuda. É hora de começarmos a pensar diferente. Esses conceitos estão obsoletos e não fazem nenhum sentido. Pode parecer outro assunto o que estou dizendo, mas faz muita diferença para um autor, leitor e crítico lidar com um segmento ou outro. Por um certamente há respeito, por outro, nem sempre. E o motivo é ignorância, porque são a mesma coisa.
A Educação pela Literatura
Sempre que se levantam propostas sobre priorização do trabalho para criar novos leitores algumas pessoas com larga formação se sentem pessoalmente ofendidas, como se priorizar um público fosse uma crítica pessoal à formação mais culta. Não se trata disso. A formação cultural de maior envergadura e o gosto por textos de arte não precisam de grandes defensores, elas são o topo de sua arte. Fomentar o surgimento de leitores é o caminho para fazer crescer também esse topo e, para isso, vale repensar meios, formas e conteúdo. O que proponho aqui, caro leitor, é um diálogo com suas crenças. Penso que é preciso estar disposto a ver e a aprender a todo momento, sair do lugar confortável do mundo culto em que nós nos encontramos hoje e dar o direito de outros grupos, antes sem condições até de ler, a ler o que querem. Leitura é sempre boa e nossa Educação seria muito melhor se promovida por uma leitura sem controle.