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Leia para sair da bolha
Por Danilo Venticinque
Às vezes é preciso resistir à vontade de só ler o que nos agrada
Nas últimas semanas, escrevi aqui sobre a importância de ter disciplina para manter uma boa rotina de leitura. Nossos dias estão lotados de distrações. Leitores pouco cautelosos correm o risco de ceder à tentação de tentar acompanhar, em tempo real, todas as polêmicas do dia na internet. Acabam lendo muito, mas aprendendo pouco. Em tempos de excesso de informação, quem não tem um plano para organizar suas leituras será inevitavelmente soterrado por elas.
É preciso tomar cuidado, porém, para não cair em outra armadilha: a de evitar todos os textos que não nos agradam. Em excesso, a disciplina na leitura corre o risco de virar alienação.
Esse mal acomete fãs de livros com muita frequência. Por mais que se orgulhem de ler “de tudo – até bula de remédio”, na prática há muitos leitores que resistem a mudar seus hábitos. Conheço muitos leitores de não-ficção que não têm paciência para a ficção, e vice-versa. Alguns só leem alta literatura e torcem o nariz para os best-sellers sem piedade. Outros se prendem a um gênero, como a literatura fantástica ou policial, e jamais dão uma chance a outros temas. Há até quem só dê atenção para os clássicos e acham absurda a ideia de perder tempo com a literatura contemporânea.
Para leituras na internet, fugir da monotonia é ainda mais difícil. As redes sociais e sites de busca são feitos para mostrar aquilo que queremos ler. Quanto mais demonstramos atenção por um autor ou um assunto, maior a chance de depararmos com eles no futuro. Textos que ignoramos ou rejeitamos aparecem com menos frequência. No Facebook, muitas vezes aceleramos o processo ao “limpar” a timeline e remover pessoas ou páginas com quem discordamos em assuntos polêmicos. O americano Eli Pariser faz um alerta contra esse hábito. O risco é ficar preso numa bolha em que nada ataca nossas convicções e não descobrimos nada novo.
Não há mal nenhum em não saber tudo sobre o último escândalo político, participar de todos os bate-bocas no Facebook ou acompanhar em tempo real o cotidiano das celebridades. Os livros que mais gostamos de ler são prioridade. A leitura, antes de tudo, deve ser um prazer. Mas, por menor que seja a vontade de ler textos idiotas, clicar em notícias que não nos interessamou comprar um livro muito diferente do que costumamos ler, vez ou outra é importante se aventurar em territórios desconhecidos. Quando sentir que suas leituras estão se tornando monótonas, tente dar uma chance a um texto que você jamais leria.
O exercício exige paciência. Quem só está acostumado a ler clássicos, por exemplo, pode levar algum tempo para se acostumar com um best-seller contemporâneo. Por mais que o impulso inicial seja largar o livro, resista. Tente se acostumar com o desconhecido. Talvez você se surpreenda e descubra novas paixões. A leitura serve para nos tirar da bolha. Quem não desafia a própria ignorância é incapaz de aprender.
Fonte: Revista Época
Minha dívida com a literatura
Por: Estêvão Reis
Após muitos anos carregando a culpa por não ter lido O Pequeno Príncipe, embarquei em uma jornada ao lado de Antoine de Saint-Exupéry.
Aos 23 anos, li pela primeira vez O Pequeno Príncipe.
Era uma sensação estranha ir a lojas de decoração e encontrar diversos itens envolvendo esse tema, ou ler diversas frases de Antoine de Saint-Exupéry espalhadas pelo Facebook sem entender o seu real contexto.
Creio que todo mundo tenha pelo menos ideia do que se trata o clássico. Já deve ter visto uma gravura do pequeno menino loiro e seu cachecol amarelo ou até mesmo ter se inspirado com “O essencial é invísivel aos olhos”. Mas para mim faltava algo, era necessário uma imersão nesse universo para que tudo aquilo fizesse sentido.
Quando criança, na época em que normalmente lê-se a história do principezinho, estava ocupado com outras coisas e não me interessava por livros. Foi preciso 18 anos se passarem e mudar para uma outra cidade – longe de amigos e familiares – para que um novo hobby surgisse: a literatura.
Ela preencheu meus dias, fez-me companhia enquanto me habituava a um novo estilo de vida e, entre uma aula e outra, ele sempre estava lá, meu bom companheiro livro. Li clássicos, trilogias, livros que foram adaptados para as telonas, obras técnicas, romances e ficções apocalípticas. Mas sempre que ia adquirir um novo companheiro, seja em livrarias ou lojas virtuais, lá estava ele: o pequeno menino loiro montado em um planeta ao lado de uma rosa.
Até que eu decidi encerrar esse drama. Iria, de uma vez por todas, por fim a minha dívida com a literatura.
Comprei o pequeno príncipe e me assustei com a espessura do livro: 96 páginas, letra grande e com ilustrações do autor. E então tive um choque de realidade: esse é um livro para crianças, o que mais poderia esperar?
Foram dois dias de imersão na vida de um jovem ser extraterrestre que viaja pelos planetas, conhece pessoas e cultiva um grande amor com uma rosa. Precisei abandonar todos os meus paradigmas de literatura, tive que me abster das descrições de Tolkien ou da dramatização de Martin e ler cada linha com a alma de uma criança que descobre um mundo pela primeira vez.
A história atemporal e que jamais envelhece, conseguiu inserir em minha mente o quanto adultos são complicados e que a vida juvenil é muito mais simples, basta uma pitada de imaginação e criatividade. Não há espaço a se perder em planetas dominados pela autopromoção, pela glutonaria como fuga das vergonhas ou quinhentos milhões de estrelas a se administrar. Basta um planeta, com uma flor frágil e ingênua, sem espinhos para se defender, e a vida pode ser feliz.
Não cairei na falsa ideia de, a partir de agora, dizer que O Pequeno Príncipe é o meu livro favorito – até por que não sou uma miss – mas, sem dúvidas, irei outras vezes separar em minha rotina de leitura outros momentos para desfrutar o universo de Saint-Exupéry. Não postarei “Tu te tornas eternamente responsável por quem tu cativas” em uma selfie no Instagram vulgarizando as idealizações do autor, mas irei refletir nos sentimentos que foram tão sabiamente articulados em poucas páginas.
E hoje, por fim, sei que não se trata de um chapéu.
Fonte: Obvious
Entrevista com Daniela Arbex, autora de “Cova 312”.
O que essa história traz de novo de um tema que já foi contato inúmeras vezes?
É uma história contada de uma forma diferente, porque não tem a pretensão de detalhar a ditadura e sim como cada personagem resistiu a ela. Além disso, o livro descreve todo o processo de investigação jornalística da descoberta da Cova 312 e a reviravolta dessa investigação.
O que levou a escrever sobre um guerrilheiro desconhecido?
Exatamente o fato de Milton Soares de Castro ser o único civil da guerrilha do Caparaó e também o único encontrado morto na Penitenciária de Linhares, em Mina Gerais, um dos presídios políticos mais importantes do país. Cova 312 é a história de Milton e também de muitos militantes que ficaram presos em Linhares. Revela a rotina de uma cadeia desconhecida para os brasileiros.
Cova 312 também nasceu de uma reportagem premiada em 2002 (a autora ganhou os prêmios Esso, Vladimir Herzog e o europeu Natali Prize), 13 anos se passaram, o que te manteve tanto tempo nesta história?
O fato de eu nunca me desligar das histórias que conto. Essa, em especial, ainda tinha peças desencaixadas. Sempre quis tentar reconstituir os últimos passos de Milton e encontrar provas que revelassem a farsa do seu suicídio. Só agora, eu consegui.
Milton Soares de Castro é uma das centenas de vítimas que o governo brasileiro ainda não revelou, como foi o trabalho de investigação para chegar nesta conclusão bombástica?
Foi um percurso que durou doze anos e que me levou aos porões da história. Tive que percorrer vários estados do país em busca das peças perdidas desse quebra cabeças. Realizei mais de cinquenta entrevistas. Localizei milhares de documentos e fiz o caminho de volta até o coração da família de Milton no Rio Grande do Sul. Uma longa jornada.
Por que o livro foi dividido em três partes?
Porque a primeira é de apresentação do personagem principal dessa história. A segunda é a anatomia da Penitenciária de Linhares onde ele e outros centenas de militantes políticos do país ficaram presos. E a terceira é todo o caminho que fiz para investigar a morte do guerrilheiro do Caparaó.
O tema é duro, pesado, trágico, mas tanto o editor Luiz Fernando Emediato , como o jornalista e escritor Laurentino Gomes, que assina o prefácio, dizem que você conseguiu transformar sem perder o foco, e a narrativa jornalística para um tanto poética em algumas situações, qual o segredo?
Se houvesse um, eu jamais revelaria. (rs) Acho que a força das histórias que conto está na humanização dos personagens. Procuro revelar cada um dentro de suas complexidades. Nenhum deles é só bom ou mal. É múltiplo, como todo ser humano.
Você é conhecida por emocionar os seus leitores, como você faz para não se envolver nas histórias? Ou isso não acontece?
Isso não acontece. Me apaixono pelas histórias que conto e também pelas pessoas. Essas pessoas não passam simplesmente pela minha vida. Elas ficam.
Quanto tempo você levou para apurar esse livro?
Mais de um ano de viagens por quatro estados do país. Uma maratona.
Como foi o processo de levantamento de dados?
Minucioso. No começo, tinha várias peças desencaixadas e sabia que precisava encontrar uma a uma para tentar me aproximar da verdade dos fatos.
O presídio de Linhares, foi a detenção que funcionou pelo maior tempo durante a ditadura militar e abrigou um número altíssimo de presos políticos, como foi entrar neste lugar que nenhum jornalista havia entrado nos últimos cinquenta anos?
Emocionante. Quando pisei na Galeria A, eu tive a certeza de que a história que eu ia contar seria surpreendente.
As histórias se entrelaçam em Cova 312, podemos dizer que não é um livro apenas de um personagem?
É um livro que tem como personagem principal Milton Soares de Castro, mas também alguns de seus companheiros da guerrilha e militantes conhecidos da história recente do Brasil, além de ilustres anônimos. É um livro de gente, que fala sobre dores, amores, abandonos, ideais. Até onde um ser humano pode ir por um ideal? Eu tento responder isso.
Foi difícil construir essa narrativa?
Foi difícil mergulhar nela. Escrever é uma viagem muito solitária e dolorosa, mas que nos permite revisitar a história e isso é o mais fascinante.
A determinação é uma das suas principais características, mas a sorte é um elemento muito presente, podemos dizer que não existe sorte sem determinação?
Detesto a palavra sorte, porque ela tira o mérito das pessoas. Não existe acasos na vida. Sem suor e muita sola de sapato, não há sorte neste mundo capaz de ajudar alguém a fazer um bom trabalho.
Qual a diferença desse lançamento para o Holocausto Brasileiro?
Os dois livros têm muito em comum, porque falam de abusos cometidos em nome do estado e da tentativa de desumanizar indivíduos. Ambas são histórias trágicas, mas ainda bem desconhecidas da sociedade, apesar de a ditadura ser considerada tema recorrente.
O livro-reportagem é a saída para os jornalistas que querem contar as suas histórias como mais detalhes?
O livro-reportagem é uma grande instrumento para apresentar o Brasil aos brasileiros.
Nas últimas manifestações, tanto a de março, como a de abril de 2015 um número até considerável de pessoas pediam uma intervenção militar, como você enxergou isso?
Puro desconhecimento do que foi o Brasil durante os anos de chumbo. A Cova 312 vai ajudar as novas gerações a entender esse Brasil de tanta sombra.
As Comissões das Verdades têm muito o que explicar para o povo brasileiro dos crimes realizados pelos representantes do Estado na época (1964 a 1985) , você acredita que eles estão no caminho certo?
Acho que sim. Há um esforço das comissões de localizar documentos, ouvir relatos que ajudem a resgatar a memória das vítimas do período. O trabalho delas é muito importante, mas a busca por respostas deve ser permanente.