As contradições de um julgamento político
Mais necessário do nunca
Neste livro corajoso, independente e honesto, o jornalista Paulo Moreira Leite, que foi diretor de Época e redator -chefe de Veja, entre outras publicações, ousa afirmar que o julgamento do chamado mensalão foi contraditório, político e injusto, por ter feito condenações sem provas consistentes e sem obedecer à regra elementar do Direito segundo a qual todos são inocentes até que se prove o contrário. Leitura obrigatória para quem quer entender as circunstâncias que levaram ao julgamento mais midiático que tivemos em nosso país.
Afinal, de que os condenados haviam sido acusados? De comprar votos no Congresso com dinheiro público, pagando quantias mensais aos que deveriam votar, políticos do próprio PT — o partido do governo! — e de outros partidos. Em 1997 um deputado confessou em gravação publicada pelo jornal Folha de S. Paulo que recebera R$ 200 mil para votar em emenda constitucional que daria a possibilidade de o presidente FHC ser reeleito. Mas — ao contrário do que aconteceu agora — o fato foi considerado pouco relevante e não mereceu nenhuma investigação oficial.
Leia o prefácio de Janio de Freitas:
Quase o mensário do mensalão. Desde 2005, portanto desde o começo, Paulo Moreira Leite acompanha como jornalista tudo o que se passou a pretexto do mensalão que nunca foi sequer mensal, quanto mais mensalão.
Esta dito ali em cima: “como jornalista”. Parece um registro banal, equivalente ao que seria dizer, em outras situações, “como engenheiro”, “como advogado”, “como medico”, e qualquer outra identidade profissional. No caso, porem, “como jornalista” tem um peso especial.
Antes de ser a Ação Penal 470 sob julgamento no Supremo Tribunal Federal, o chamado mensalão já estava sob uma ação penal. Executada na imprensa, na TV, nas revistas e no rádio. Uma ação que mal começara e já chegava a condenação de determinados réus.
Não participar dessa ação penal antecipada deveria ser o normal para todos os jornalistas. Não foi. Isto não quer dizer que os fatos denunciados não fossem graves, nem que entre os envolvidos não houvesse culpados pelos fatos e pela gravidade.
O que houve nos meios de comunicação foi o desprezo excessivo pela isenção. Os comentaristas, com exceções raras, enveredaram por práticas que passaram do texto próprio de comentário jornalístico para o texto típico da finalidade política, foram textos de indisfarçável facciosismo.
Essa prática foi levada também para a internet, onde, porém, os jornalistas profissionais não estão dispensados de sujeitar‑se aos princípios universais do jornalismo. O vale‑tudo (ainda) permitido na internet e uma espécie de orgia romana das palavras, um formidável porre opiniático. Nada a ver com a relação entre fato, jornalismo e leitor/espectador/ouvinte.
Paulo Moreira Leite ficou como uma das raras exceções referidas. Inclusive na internet. Embora, quando escreveu os artigos deste livro, estivesse na revista Época, todos foram feitos para o seu blog “Vamos Combinar — Paulo Moreira Leite”. Cedo, já no relatório entregue pela Policia Federal ao Ministério Público, constatara a disparidade entre as acusações até ali divulgadas e as provas obtidas na investigação policial: aquelas eram bem mais numerosas do que estas.
Discrepância que assumiu também outras formas, inclusive nas relações entre ministros‑julgadores, e veio a ser algo como uma constante no julgamento da Ação Penal 470. E dessa matéria‑prima que vem este livro.
O blog do Paulo chegou a aumentar a “audiência” em 500% de um dia para o outro. Sucesso que tanto diz a seu respeito como diz dos meios de comunicação convencionais.
Mas não foi a experiência de correspondente brilhante em Paris e em Washington, nem o trabalho inteligente de repórter e em cargos de direção na Época, na Veja, no Diário de S.Paulo que fizeram tal sucesso. Foi, primeiro, o olhar permanente, como ele diz, “com curiosidade e com desconfiança”. Depois, não ter medo pessoal e ter independência profissional para expor o que e como viu os fatos e sua tessitura.
Há um preço alto a pagar por isso. Ao lado da compreensão e do aplauso de muitos, a reação dos desagradados com a veracidade jornalística tem mostrado, no decorrer da Ação Penal 470, uma carga de ódio e de ferocidade não perceptíveis desde a ditadura. Seria mais um efeito do modo prepotente como o julgamento foi impulsionado?
Concluída a fase das condenações, Paulinho — como é chamado pelo saldo de carinho ainda existente nas redações — mudou‑se da Época para a IstoÉ, e seu blog passou do site de uma revista para o da outra. Este livro começou no blog e continuara nele. Sob os seus olhos, tenho certeza.
*** Janio de Freitas firmou-se como um dos mais importantes jornalistas brasileiros na década de 1950, ao realizar uma reforma no Jornal do Brasil que seria imitada até pelos concorrentes. Em 1987 Janio ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo graças a uma reportagem que comprovou um acerto de empreiteiras na licitação da Ferrovia Norte Sul. Em 2012, ano em que completou 80 anos, Janio de Freitas publicou na Folha de S.Paulo uma série de artigos que se tornaram leitura obrigatória durante o mensalão.