14/03 – Dia Nacional da Poesia
Passei a sofrer de poesia.
Ando ocupado dela, por ela.
A imaginação invade minha intimidade,
Devassa meu passado
Acompanha‑me no meu trabalho.
Ando mastigando suas pétalas,
Trauteando músicas pelos cantos,
Falando do etéreo, do irreal, dos despojos da vida.
Sempre há uma palavra
Que teima em emergir do fundo d’alma.
Já não quero o remanso, apenas correnteza.
Trôpego, perdi a ideia do próprio corpo
Um médico‑ poeta, amigo meu, já diagnosticou:
Estou doente de poesia.
O pior de tudo, a doença não tem cura.
Não preciso dizer nada nesse meu desbotamento.
Não acredito mais no conforto do bispo
Nem no pobre perdão de Deus.
Agora, vou ficar assim:
Isento de saudade do meu outro eu,
Alheio, sem raiz, nem semente,
Despido da outra memória
Vou ser um andarilho dos meus versos.
Dar largas à imaginação, construir, quimeras,
Ficar concebido pelo pensamento vago,
Entressonhar, dar a seres imaginários
Vida, nomes e habitação
Entregar‑me ao devaneio, embalar ilusões.
Descobri nesse novo meu eu
Que o lençol da poesia é o tempo
E que só somos donos dele
Quando ele se esquece da gente.
Jorge Ferreira – poesia extraída do livro Rio Adentro
Linda poesia desse escritor, Jorge Ferreira!